De 30 de março a 1 de abril deste ano aconteceu mais uma edição do No Gods No Masters Fest, dessa vez na cidade de Peruíbe-SP, com uma programação cheia de debates, oficinas, bandas e atividades diversas sobre anarquismo, feminismo, DIY, etc. Entrevistamos a organização do Festival que contou um pouco sobre as propostas e percepções destes três dias intensos!
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Salve queridxs! Há pouco tempo rolou a edição de 2018 do No Gods No Masters Fest no litoral de São Paulo. Contem um pouco sobre como e quando começou a idéia do Fest e de que forma tudo se desenrolou dali pra cá.
O No Gods No Masters Fest surgiu efetivamente em 2016 mas, na verdade, ele é fruto do que vivemos com eventos que estivemos envolvidxs nos anos 2000 como o Dias de Criar, Carnaval Revolução e outros encontros libertários. Acreditamos que esses eventos, com múltiplas linguagens e que tem como proposta uma convivência coletiva é muito importante para construirmos uma comunidade mais forte e coesa, colocando todas as pessoas que estão participando do Fest como parte da construção dessa comunidade. São discussões importantíssimas, produções, bandas que se somam e formam um conteúdo muito inspirador para que possamos levar para nossas comunidades locais e nossa vida cotidiana. Essa vontade de continuar com esses eventos está dentro da gente a tanto tempo e estávamos sentindo falta dessa união de tantas produções incríveis juntas.
Este ano o Fest aconteceu no novo espaço da Semente Negra. Como está sendo o processo de construção desse espaço autônomo e quais as propostas e perspectivas para esse novo local de conspiração e prática libertária?
Bem, a Semente Negra, um dos projetos dentro do Cultive Resistência, vem sendo locais de experiências voltadas para a busca por autonomia em todos os sentidos. Um espaço onde possamos plantar, construir, dialogar, aprender, ensinar, trocar e principalmente construir novas formas de se relacionar com as pessoas, com os animais e com a terra.
Desde muito tempo tínhamos o sonho de estar em um local onde estas coisas fossem possíveis e de preferencia que pudéssemos aliar isto a nossa moradia, pois toda a proposta se encaixa dentro daquilo que propomos a nós mesmos como proposta de vida. Queremos aprender, ensinar, dialogar, construir relações mais horizontais com as pessoas, os animais e a terra e depois de 2 espaços anteriores finalmente conseguimos este sitio que fica em meio a mata atlantica, no municipio de Peruibe/SP, e que pode proporcionar tudo isto.
A perspectiva é que tudo isto ocorra de forma bem leve e inspiradora. Queremos tentar construir uma vida longe dos padrões construídos nos grandes centros urbanos onde as pessoas se veem presas a seus trabalhos por quase toda a vida apenas para custear um modo de vida onde a vida acaba ficando em ultimo plano. Este é o modelo capitalista, onde as pessoas são enganadas e exploradas a vida inteira, onde as pessoas se veem num circulo de consumo/necessidade por onde toda a vida se esvai e, encarar isto de frente e dizer basta é parte da nossa proposta enquanto espaço autônomo.
Pela programação podemos perceber que existe uma preocupação grande com a participação das minas no evento, seja em palestras, debates e oficinas, seja nas bandas que tocam, e isso também se reflete na quantidade de minas que participam das atividades e do Fest. Como vocês tem avaliado isso? Que outras lutas buscam visibilizar?
Fazíamos sempre um questionamento entre nós e entre pessoas mais próximas: Porque existem poucas mulheres na comunidade que estamos construindo? E, porque muitas desistem desta comunidade com o passar do tempo? Na verdade, elas estão aí, fazendo muita coisa incrível, buscando o espaço delas, nosso espaço, mas como muitos eventos são construídos de uma forma nada seguro para as minas, elas não vão ficar caladas sem um espaço, vão construir o delas, o nosso. E o fest é construído pelas minas, por minas. E elas estão em todas as partes, no som, na cozinha, no corre das atividades, dando palestras, tocando, assistindo. O fest é um evento misto, gay, lésbico, feminista, negrx, trans…
Por sermos um coletivo misto, construímos um espaço dentro de nossas vidas para levar esta discussão o mais a fundo possível, aprender bastante e buscar possibilidades para mudar esta realidade. Com isto, buscamos deixar bem objetiva a proposta do Fest, que é o respeito e o espaço para todos e todas. Com isto foi natural que as propostas de atividades feitas por mulheres, bandas, palestrantes, oficineiras, começassem a surgir de forma muito legal. Vale mencionar que o conteúdo do Fest é construído de forma bastante coletiva, as pessoas, bandas, enviam propostas para participar e vamos construindo as possibilidades coletivamente até chegarmos no conteúdo total. Este ano tivemos 17 bandas e 27 palestras/debates/oficinas e em torno de 350 pessoas no total e a maioria eram mulheres.
Sobre outras lutas, é importante dizer que se existem lutas por autonomia e liberdade elas precisam ser apoiadas, precisam ser conversadas e vividas. Este ano tivemos debates riquissimos sobre a questão do negro e negra no punk, do gay e lesbicas no punk, das diversidades dentro do punk e do mundo em si.
A cada ano vai se consolidando um grupo de pessoas que apoiam o Fest todos os anos na organização geral, cozinha, organização de palco e áudio, registro, etc. Falem um pouco sobre como tem sido essa experiência coletiva?
Sim, e isto tem sido incrivel. Algumas mulheres criaram um coletivo que cuida da montagem, equipamento de som e roadies, outras pessoas tem se estruturado cuidando da cozinha e outras cuidando de estrutura, programação, divulgação. Tentamos deixar o fest o mais aberto possível pra que isso acontecre durante o evento. Muitas vezes as pessoas se envolvem nos dias apenas, outras dias antes e assim vamos construindo um evento inspirador e apaixonante.
A experiência tem trazido um aprendizado muito grande, algumas vezes com coisas boas e outras com coisas ruins. O mais interessante é notar que as pessoas que vão ao Fest não estão acostumadas com este tipo de organização descentralizada e o Fest quebra isto, acaba mostrando que a organização é de todas as pessoas que estão ali.
Como vocês avaliam a evolução do Fest nesses anos de existência no sentido organizativo? O que mudou no decorrer do tempo? O que ainda pode mudar?
O Fest vem crescendo bastante de edição para edição, não somente pela quantidade de pessoas que estão indo ao evento mas também pela afinidade que vem aparecendo entre pessoas e coletivos e dos projetos que saem inspirados do Fest. Recebemos muitas mensagens de coisas novas que surgiram após as pessoas participarem do Fest e isto significa que está funcionando, que estamos conseguindo nos olhar nos olhos, ouvir as nossas necessidades, compartilhar isto e fazer algo em busca de mudanças.
Temos buscado sempre entender as urgências sociais, coletivas e individuais, trazer sempre estes debates e acreditamos que o que devemos mudar sempre é a nós mesmos para conseguir estar sempre em estado de atenção a tudo isto para construir um Festival que tenha a diversidade necessária.
Um problema recorrente na cena e especificamente em espaços autônomos e eventos DIY, é uma postura de “consumidor” que muitas vezes pessoas que participam das atividades têm com relação à organização. Como vocês vêem isso e como tem agido para mudar este tipo de relação? E como foi o Fest desse ano nesse sentido?
Bem, a proposta do Festival é que a construção seja o mais coletiva possível. Sempre falamos que o valor cobrado na entrada do Festival é uma divisão de custos para que o Festival aconteça. Mas nem sempre as pessoas entendem isto e acabam agindo como consumidores que estão exigindo seus direitos.
Mas isto se dá em diversas situações dentro do Festival e muitas vezes de forma bastante sutil. Algumas bandas que escrevem para tocar no Festival estão muito mais preocupadas com quanto vão receber e qual a marca dos equipamentos do que com estar nele em si e isto também é uma relação bastante ruim para um evento politico e Do it yourself.
Este ano isto diminuiu bastante, mesmo ocorrendo, e acreditamos que isto se deu porque escrevemos muitos textos sobre isso durante a divulgação do Festival e também espalhamos cartazes pro alguns lugares do evento.
É preciso entendermos que os eventos do it yourself, anarquistas, punks, são importantes para nós, são feitos de forma horizontal por pessoas como nós e é preciso apoiar isto.
O que mais vocês destacariam desta edição do Fest? E quais as perspectivas para o ano que vem?
Esta edição foi muito especial para nós. Foi o primeiro evento na nova Semente Negra, no lugar que queremos construir muitas coisas e isto nos deixou com uma energia muito boa, apesar do cansaço enorme que foi para deixar quase tudo pronto para tudo acontecer. O sitio estava abandonado por 10 anos e tivemos muito trabalho desde que chegamos nele, mas foi tudo feito com muito carinho. Claro que por ser a primeira vez em um espaço grande, aconteceram algumas falhas estruturais que estamos conversando muito e estruturando o espaço para não acontecer novamente. Esse ano ficamos muito felizes com o resultado do Fest, porque notamos que as pessoas estão dispostas a ouvir umas as outras, suas lutas, suas realidades e seus anseios e trocar de lugar com a outra pessoa é um dos atos mais importantes para que possamos lutar juntas!
Para 2019 queremos dar continuidade a diversas discussões e trazer novas oficinas que gerem mais autonomia para as pessoas e coletivos.
Valeu pela entrevista! Fica aqui um espaço para deixarem contatos, ideias, mensagens…
Valeu vocês por manter este canal de divulgação tão importante.
A mensagem que queremos deixar é que se nos permitirmos entender nossos privilégios, NÃO usá-los, ouvirmos mais as pessoas, podemos construir relações muito mais fortes e sinceras. Com isto, podemos mudar muita coisa no mundo em que vivemos.