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Prólogo à segunda edição
Já se passaram quase dois anos desde que saiu a recompilação de textos “Tesouras para todas” que você tem em suas mãos1. Durante esse tempo, o debate sobre a violência machista que vivemos em espaços próximos foi colocado na mesa. Surgiram novos grupos feministas, mulheres denunciaram agressões e enfrentaram duros processos, houve solidariedade, foram editados materiais, protocolos de ação, reflexões pessoais, foram levantados debates em centros sociais, em associações de bairro, dentro de coletivos, e foram dadas diferentes respostas a agressões concretas. Queremos reconhecer o valor desse grande trabalho e dar todo nosso apoio às mulheres que denunciaram agressões.
Esta reativação do debate em torno do feminismo, da auto-organização de mulheres, da violência machista e das estratégias de atuação, tornou visíveis questões anteriormente esquecidas ou guardadas na gaveta, de forma que já não é tão fácil evitar um envolvimento ou desviar o olhar para outro lado. Algum@s tocaram nesse tema pela primeira vez, outr@s se entrincheiraram em velhos privilégios e posturas rígidas para que nada mude, outr@s continuaram crescendo em diferentes direções; abriram-se caminhos, ressurgiram olhares e diferenças, houve rupturas, momentos difíceis, mas também afinidade e respeito. E assim, dois anos depois, já não partimos do zero. Os conflitos gerados possibilitaram que o debate avance, debate ao qual pretende contribuir o “Tesouras Para Todas”.
Decidimos reeditar este material porque, para afrontar agressões na política, para lutar contra a violência machista e fazer do antissexismo uma realidade, nunca é demais ter uma caixa de ferramentas ao alcance da mão. Ademais, numerosos coletivos e pessoas a utilizaram e continuam pedindo-a, de forma que consideramos que “Tesouras Para Todas” continua sendo raivosamente atual. Assim, essa tiragem pretende ser maior, para dessa maneira melhorar a discreta difusão que fizemos da anterior. Mantivemos todos os textos, vozes variadas segundo perspectivas diferentes, momentos e lugares diversos, mas que compartilham um fio condutor comum: o olhar sobre a violência contra as mulheres como um problema cotidiano, estrutural, multicausal, e que nos atravessa. Essa visão compartilhada se opõe à imagem comum que assinala as consequências mais brutais da violência, e a reduz a uma questão de alguns homens doentes e machistas, e umas pobres mulheres vítimas que necessitam ser protegidas. Por último, a maioria dos textos coincide também em apontar o feminismo e a ação direta feminista como resposta-chave.
Com respeito ao título, introduzimos uma mudança no subtítulo “Textos sobre violência de gênero nos movimentos sociais”. Substituímos, por um lado, ‘violência de gênero’ por ‘violência machista’, devido à despolitização e o uso institucional que se faz do primeiro, e ao fato de que não aponta a direção da violência, de onde vem e quem a recebe.
Por outro lado, mantivemos o termo ‘movimentos sociais’, apesar de que, quando falamos de violência machista, a fronteira dentro-fora é fictícia e as dinâmicas não se diferenciam do exterior, nem da sociedade em geral. Afinal de contas, a violência é a mesma. Contudo, continuamos nos referindo aos movimentos sociais, onde nos situamos, porque englobam diferentes realidades com certos códigos compartilhados que permitem nos entendermos, e sobretudo porque partem de uma vontade transformadora que é à que nós apelamos.
Esta é uma chamada à auto-organização de mulheres, à solidariedade, à ação, aos grupos mistos que desejam crescer nesse sentido, para que continuemos criando iniciativas e lutando contra a violência machista.
O “Tesouras Para Todas” volta a sair para ser de novo convite, reflexão, argumento, arma lançada, dor de cabeça, chave inglesa, objeto cotidiano e, sobretudo, para acabar de vez com a indiferença.