“O squirting é um ato político contra o medo de explorar”
Chiara Schiavon
Mi placer se corre como puñales
“NÃO SOU VIADO”. Isso é o que me disse um amante quando, enquanto o tinha por cima me metendo, lhe introduzi um dedo no cu. Crasso erro o meu pensar que seus orifícios fossem tão funcionais quanto os meus. Os seus só eram canais de expulsão e qualquer inversão nessa ordem de circulação lhe converteria automaticamente num viado irremediado, ainda que eu fosse uma tia e ainda que jamais se vira atraído por outro homem. Aquilo me deixou desconcertada, não compreendia em que sentido um tão inócuo poderia transformar a sexualidade duma pessoa em apenas alguns segundos. Naquele momento pensei que seria uma mania sua particular e não lhe dei mais voltas, mas em minhas peripécias com os homens nunca deixei de ter esse terrível problema, sua absoluta impenetrabilidade, o hermetismo de seus cus, o fechamento de suas cabeças.
Vítimas. Eles são vítimas de suas mutilações, e suas sexualidades bem atadas à prática normativa lhes fazem tão desgraçados quanto as mulheres; ainda que a princípio pudesse parecer que em questões sexuais os homens sempre se viram favorecidos pela norma, o caso é que suas sexualidades também respondem ao utilitarismo servil e ao capitalismo corporal. A única coisa que os diferencia das mulheres quanto à repressão é que, finalmente, essas normas para seguir foram criadas por homens, mas em todo caso nunca por homens livres. Há determinadas buscas por prazer que não aparecem nos livros sobre sexo, nem nas descrições médico-científicas da sexualidade humana. Há formas de sentir desejo que só figuram nos manuais de patologias clínicas sem que haja nelas nem o menor resquício de loucura.
Faz alguns anos, entrei em contato com os leathers [1] de Madri. Com eles me dei conta de que o cu é um lugar não só sagrado, senão de superação pessoal. Eles praticam o grau superlativo do sexo anal. Se houvessem olimpíadas nas quais uma das disciplinas fossem a dilatação anal e o uso e desfruto ao máximo deste orifício, os leathers levariam todas as medalhas de ouro. O maravilhoso mundo da próstata, território proibido (legal e moralmente) para a grande maioria dos homens.
Também descobri faz relativamente pouco tempo tudo que envolve ter uma próstata (tudo que alguém que carece dela pode chegar a compreender, claro). Manolo, com seu projeto quase messiânico de “faz-te um Manolo” [2] é bem claro em suas explicações: qualquer pessoa que tenha uma próstata dentro do cu pode ter um orgasmo maravilhoso com ela. Cito as palavras que regem seu blog: “O exercício responsável da liberdade amplia a verdade, e às vezes a verdade é orgasmicamente subversiva”. Evidentemente para chegar a ela tem que entrar no cu, é seu portal, sua residência. Uma porta fechada solidamente com base na periculosidade do prazer de sua abertura. Sempre que nos proíbem algo é porque supõe um risco para o poder estabelecido e quando estas proibições espetam em nosso corpo abandonamos de imediato nossa condição de seres libres, nos convertendo em marionetes. Este conhecimento sobre o corpo masculino me produziu, depois dum período de digestão, uma tristeza suprema por todos os homens que jamais descobriram o que têm no fundo (não tão fundo) de seus edis, do mesmo modo que senti muita tristeza quando soube que milhões de mulheres jamais souberam nem saberão de seu clítoris.
Durante a manifestação pela despatologização trans de 2008, Divina Huguet e Teresa Martín me abordaram na praça de Sant Jaume para me entrevistar. Estavam em processo com seu projeto Transvisibles [3] sobre transgênero e transexualidade (no qual também participaram Bea Espejo [4], Miquel Missé e Marina Collell, da Guerrilla Travolaka [5]) e entraram em comigo por conta do meu poema “Transfrontera” [6] que foi lido por Verónica Arauzo [7] na homenagem a Sonia Rescalvo na Ciutadella [8]. Na mani nos encontramos por casualidade e quiseram me entrevistar ali mesmo. A entrevista foi muito interessante [9] (apesar de meu estado etílico evidente) e para o tema que me ocupa agora uma das perguntas me viera à mente e aqui a transcrevo:
Elas: Constrói o Estado nossos corpos? Eu: Claro que sim, é evidente. Veja, hoje fui á rua com uma venda [nos peitos] * para ver como é e bom. . .me confundiram com um menino muitas vezes. Estava trabalhando de carteira assinada faz pouco tempo e era um “tu, garoto” constante, quando vai com uma camiseta assim que não dá pra ver os atributos. Claro que o Estado constrói nossos corpos. Se você tem tetas é mulher, se tem o cabelo grande é mulher, se usa saia é mulher. Se faz algo que não esteja aí dentro é outra coisa, já não é mulher, ou pelo menos uma mulher desejável pelo macho ibérico. . .O que sei, é que também estamos num país muito jacu. E quando cê faz como uma coisa performativa, o vendar as tetas, por uma barba e sair à rua, você se dá conta da pressão de ser homem, igual como quando sai de saia, a pressão. Claro que constrói nossos corpos, de uma forma bem simples. O Estado é muito básico e além do mais é que tampouco é o Estado, é a História da Humanidade: mulher tetas edi reprodução por baixo, macho grande peludo encima. Eu não jogaria a culpa de tudo no Estado. O Estado é o que o mantém.
Naquele momento ébrio cheguei a uma das conclusões mais importantes para minha vida e meu trabalho: não podemos jogar a culpa de tudo no Estado, é ridículo. O Estado é só um herdeiro privilegiado dum trabalho já feito. Se manipula nossos corpos é porque a História da Humanidade e a mesma natureza lhe deram as ferramentas para isso. O mais subversivo da luta transgênero e transexual [10] não reside em sua resistência às convenções sociais nem em sua batalha contra as imposições legais, médicas ou sociais. É muito mais poderosa a modificação que fazem de padrões estéticos, culturais, sexuais e emocionais avalizados por séculos e séculos de rigidez. Têm conseguido desestabilizar uma das estruturas mais poderosas do sistema, os gêneros, e a Teoria Queer neste sentido lhes deve muito.
Voltando ao Estado, quero acrescentar que só nos dando conta de que o problema talvez está muito mais próximo do que pensamos poderemos mudar algo. Se tomamos consciência de que aquilo contra o qual lutamos bem poderia estar alojado, qual parasita, dentro de nossos corpos, conseguem-se mais coisas ou pelo menos se consegue lutar do território liberto. Finalmente vivemos sem remédio dentro destes pedaços de carne e para começar qualquer luta, o primeiro é viver num lugar que nos pertença. Detesto à galera antissistema que se obceca em lutar contra um inimigo tão imenso enquanto seus briocos seguem fechados e suas mentes enjauladas em coisas tão terríveis como o binarismo.
Quando alguém vai conhecendo melhor seu corpo e a quantidade de coisas que pode fazer com ele, simultaneamente vai produzindo também uma sensação de espanto pela quantidade de coisas que estão proibidas, que estão marginalizadas ou que simplesmente são delito. Descobrir a própria sexualidade é também descobrir até que ponto isso que chamamos “nossos sexo” não nos pertence absolutamente. Pertence à heteronorma, à sociedade de consumo, à igreja e ao patriarcado, à pornografia mainstream, à medicina, aos farmacêuticos, à moda, a (longa enumeração na qual seu nome não está incluído).
Por isso eu decidi que meu corpo e meu sexo tinham que ser meus, já que sou eu que os alimenta, a que vive com eles, a que se beneficiai de seus prazeres e a que sofre suas dores.
E não é nada fácil fazer a cada instante que alguém saia da boceta nem se lançar a experimentar mais além dos limites impostos. É preciso exercitá-lo. Só assim se pode dizer: ao menos na minha casa, mando eu. A metade (e calculo por baixo) das coisas que faço na cama formam parte de processos nos quais em algum momento senti medo. Medo inicial por não conhecer do que se tratava o que estava sucedendo, porque nunca o tinha visto representado nem tinha ouvido falar disso, medo porque pode ser algo perigoso, fruto duma doença ou duma malformação e medo também porque algo bom pra caralho pode ser verdade.
A diferença entre eu e as pessoas que seguem fodendo tal e como dita a norma é que eu antepus o prazer e a curiosidade ao medo, o superando. Nestes processos a segunda fase é sempre a raiva, pois por causa de quê tem que alguém vir mandar nas minhas calcinhas? Imaginando a estrutura que se arma por trás da manipulação das sexualidades da gente vejo um monstro gigantesco, antigo, que das profundidades da História e da política (que não a natureza, pois o ser humano é por natureza curioso) manda e ordena, apara aqui e acolá, cega, emudece e lobotomiza com prazer. E eu, diminuta mas raivosa, resisto à sua vontade de titã e, ainda que seja só por foder e discordar, gozo como uma fonte, deixo que minha boceta engula o que quiser, como xoxotas, fodo homens pelo cu, me deixo chicotear, me masturbo onde e como quero, utilizo prótese e deixo que meu prazer vá e se esparrame por toda parte.
E mais além desse sentimento tão infantil de discordar, me orgulho de que minha sexualidade não pudera ser encarcerada nem blindada por mais mãos que não seja as que eu escolhi. De fato, a partir dessa liberdade e da força que me outorga me conhecer ao menos numa coisa livre, é de onde eu construo minha luta.
Obviamente a terceira fase de tudo isso é a ação. Uma pessoa não pode guardar a raiva e fingir nada quando há milhões de pessoas que não sabem onde têm o clítoris ou a próstata, que não sabem que há mil formas de foder e que todas são divertidas, sadias e prazerosas e que nenhuma delas merece ser censurada. E falo do âmbito que me toca mais de perto, pois se começo a pensar em ablações, condenações a morte por homossexualidade, operações de “desambiguação” de genitais em bebês intersexuais, e toda a quantidade de crimes que se cometem diariamente contra a sexualidade humana (claro que também em nosso “civilizado” Ocidente), então meu trabalho seria muito mais terrorista do que é, seguramente andaria armada e não estaria aqui comodamente em minha mesa escrevendo este livro, ou fazendo performances “artísticas” para mostrar que nós** também ejaculamos, entre outras coisas. Realmente não sei o que estaria fazendo pois o que faço é a única coisa que sei fazer e o faço da melhor maneira que posso. A raiva nem sequer é boa para se guardar quando você não dá a mínima pra tudo que está lá fora. Eu sempre penso quê teria sido de mim se tivesse continuado ignorando tudo que agora descobri por meus próprios meios sem que ninguém me tenha posto precisamente fácil. Seguramente seria uma amargada. Assim, se lhe agrada foder livre e lhe dá raiva não tê-lo descoberto antes ou que lhe tenham ocultado informação valiosa, faça-o com mais vontade e não se interrompa jamais, essa é uma boa ação também.
Agora quero falar sobre algumas práticas que têm sido especialmente marginalizadas por seu alto nível de subversão.
Uma delas é o squirting ou ejaculação feminina. Nenhuma destas denominações me convence. A voz “squirt”, em inglês, significa literalmente “filete” (primeira acepção do Oxford Spanish Dictionary). Filete? Como se nota que os homens escrevem os dicionários. Não poderiam traduzi-lo como o que é, um jato (spurt) de líquido deliciosamente escandaloso, não, tinham que lhe por um diminutivo como sempre que falam da sexualidade das mulheres, para lhe tirar a importância, para denegrir a condição de toque sexual, para converter nossos genitais numa ninharia diminuta. Pois não, filhos da puta, não tenho uma periquitinha, barata, pererequinha ***, tenho uma planta carnívora; não gozo filetes, sou um puta gêiser; e meu clítoris não é um inchaçozinho, é exatamente igual a suas pirocas mas a mim não se torna desfuncional depois dum orgasmo (nem de dez).
“Ejaculação” tampouco de agrada demais. Não creio que seja necessário falar em termo de sexualidade masculina para descrever a feminina, em alguns casos se fala de coisas que não têm nada a ver. É muito perigosos identificar uma com a outra porque pode levar a grandes confusões. Por isso vou utilizar a palavra “esporro” que sempre me agradou muito e parecera bastante mais selvagem que a palavra ejaculação. E para falar dum líquido abundante que sai disparado duma virilha, é muito mais apropriado pra mim que “ejaculação” (talvez porque a água “corre”**** pelos rios, não sei).
Me estremece a citação com a qual Chiara Schiavo [11] começa seu texto Mi placer se corre como puñales, que transcrevo completo mais adiante: “É inegável que às vezes se forma um fluido mucoso nos órgãos internos e na vagina durante o coito, mas isto só ocorre às mulheres lascivas ou às que levam uma vida obscena”[12]. Trata-se duma citação dum texto enciclopédico do começo do século XIX, quando se supõe que a ciência começou a se desenvolver se baseando em princípios realmente científicos e demonstráveis e a se libertar dos condicionamentos religiosos, é um texto que surge, como todo o movimento enciclopedista, com o desejo de chegar à verdade e sob o preceito da razão (que perigoso é isso). E nesse se está afirmando, na realidade, que uma mulher não se excitar sem ser uma cachorra, que sua excitação não é legítima. Uma xota molhada é o mesmo que uma piroca dura, nisso estamos todes de acordo. Como seria essa mesma afirmação se a pronunciássemos com base nos genitais masculinos? “É inegável que às vezes o pênis se enche de sangue, cresce em longitude e grossura e endurece, mas isto só ocorre ao homens lascivos ou aos que levam uma vida obscena”. Tremendo, não? Pois é isso o que sempre tem acontecido com os genitais femininos: são monstruosos, dão medo, um perigo à flor da pele, plantas carnívoras às quais tem que podar para que não comam a ninguém, para lhes tirar o poder de se excita e deixar somente o poder de excitar, de ser sempre recipiente do prazer alheio e nunca produtoras do seu próprio.
Eliminar concorrência, criar medo ao desconhecido porque conhecê-lo põe em perigo o status patriarcal, apoiar na ignorância o peso de algo tão importante socialmente como a sexualidade, isso é o que tem sucedido com toda esta merda.
Imaginemos então que o tempo histórico avança e a ciência com ele, cada vez ficam menos coisas da anatomia humana por nomear ou estudar, já se sabe que o clítoris é o principal órgão originador do orgasmo na mulher, que é além do mais (ainda que isto não sei se se sabe tanto) o único órgão do corpo humano cuja única e exclusiva função é o prazer, que diferentemente do pênis (que também serve para mijar ou para a reprodução) não serve para nada mais que para que esporremos. Neste sentido um clítoris é um desafio, um desacato, algo perverso, o irmão pequeno que saiu esquisito. É mais, o fato de que um grande número de mulheres no mundo (as que conseguem conservá-lo são e salvo) desconheçam sua existência não é algo fortuito, é produto duma complexa manipulação da informação que recebem as mulheres acerca do seu próprio corpo.
Frequentemente me pergunto se saberão nossas avós o que é um orgasmo e isso me enche de raiva. Não creio que tenha havia um único homem adulto em toda a puta história da humanidade que tenha morrido sem ter, ao menor, esporrado. Esta frase que acabo de escrever acaba de me provocar uma dor nos ovos terrível: sobre mim, todas as esporradas frustradas de todas as mulheres que morreram sem saber liberar seu prazer, sem poder descarregar nem liberar a energia que gera o desejo, histéricas, claro. . .malditos porcos.
Um esporro feminino já não é só um ato de prazer que transborda mais ou menos espetacularmente. Trata-se dum ato terrorista. Duma vingança que arrasta séculos de orgasmos contidos ou que nunca chegaram a vir. Meu jorro de esporro chega mais longe se penso em todas elas, em todas as vítimas da medicina, da psiquiatria, do matrimônio e do sistema patriarcal. E também é muito infantil e muito cômodo e é muito feministóide lançar a culpa de tudo ao patriarcado dos colhões. Se me ponho a reduzir, acabarei falando de hormônios, de células nanoscópicas que determinam quem tem o poder de submeter e quem carece dos meios para se rebelar. Me poria a falar de testosterona, o hormônio do poder, para que dizer que se nossas xotas não se expandiram mais e melhor, se nossas xotas sempre foram território conquistado e nunca algo conquistável, pleo qual tivesse que lutar, foi porque basicamente não temos os mesmos níveis de testosterona no sangue que “eles”, ainda que soe reducionista.
Agora afirmarei que acontece que sem a vantagem do hormônio também somos poderosas, só temos que liberar a virilha e deixá-la fluir, deixá-la se espalhar sobre o mundo, como uma praga apocalíptica, como um vírus, como um puto tsunami.
Nas performances nas quais fiz uma demonstração de ejaculação depois sempre vêm pra me interrogar mulher intrigadas pelo ocorrido. A maioria pergunta como o faço, outras tantas (ejaculadoras também) que se não é xixi, que se essa poça que fazem na cama não é algo do qual tenham que se envergonhar. . .Minha resposta é sempre a mesma: nada de xixi, bebê, cê esporra esguichando, monta um escândalo na cama, rega teu amante como como a um gerânio. É seu direito e se converte em sua obrigação no momento que reconhece que se sente mal porque ocorre.
A técnica para fazê-lo nunca soube explicá-la bem. Sou boa para contar como evitá-lo, assim descobri como a maioria das mulheres o evitam sem se dar conta, assim posso lhes dizer que caralho hão de fazer para deixar de evitá-lo, para deixá-lo esporrar ou inclusive para propulsá-lo com a força dum ciclone.
Aqui neste momento me remeto à investigação realizada por Chiara Schiavon sobre o tema, porque pra mim, sinceramente, sempre me preocupei mais por qual motivo às demais não lhes passava o que em mim passara, uma coisa completamente natural (um orgasmo por aspersão*****).
Mi placer se corre como puñales, de Chiara Schiavon
“É inegável que às vezes se forma um fluido mucoso nos órgãos internos e na vagina durante o coito, mas isto só ocorre às mulheres lascivas ou às que levam uma vida obscena”. (ver nota 13)
“Num mundo onde o prazer passa pela imagem, essa é a grande mutação” – Roland Barthes, 1980 [14]
A ação de fazer sexo continua sendo perigosa, bandida. Como disse Valérie Tasso “creio que hoje em dia falar de sexo deixou de ser um tabu, o verdadeiro tabu se tornou o sexo mesmo” [15]. Difícil se encontrar com 30 anos descobrindo o squirting e não se perguntar porquê alguém não me havia dito antes, ou porquê poucas mulheres o sabem fazer.
Buscando informações sobre o que é o squirting me encontrei num deserto, as poucas gotas de saber sobre o tema lhes acrescento abaixo, mas tenho que dizer que deixaram muito perplexa.
Este artigo tirado da internet foi escrito por Carmen Márquez (à qual pessoalmente não conheço) em 11 de setembro de 2007 no blog “Educa sexo, blog sobre educación sexual”[16]
“O certo é que existem várias teorias a respeito, mas ainda não se pode afirmar sem dúvida alguma se a umidade que cresce na vagina da mulher depois de alcançar o clímax se pode considerar ou não ejaculação. É que não só existem poucos dados a respeito mas que, ainda por cima, alguns são contraditórios entre si. Tendo em conta esta introdução, falemos pois do que sim sabemos: podemos começar dizendo quando se fala de ejaculação feminina, se refere à chegada de líquido à zona vaginal durante as contrações que provoca o orgasmo nas mulheres. Este líquido se produz nas glândulas de Skene, que estão localizadas na vagina, próximo do lugar onde podemos estimular o ponto G. Quando a mulher está excitada, estas glândulas se enchem de líquido e, como com o orgasmo, a pélvis se contrai, aperta os diferentes órgãos da zona (entre eles, as glândulas de Skene) e se produz o transbordamento e posterior saída dessa substância líquida e leitosa. Geralmente sai em pouca quantidade, mas pode ocorrer que seja muita, devido a que essas glândulas têm uma assombrosa capacidade para se esvaziar e se encher em poucos segundos. Assim, por exemplo, se o orgasmo se prolonga, e as contrações vaginais são numerosas, se pode segregar uma quantidade realmente chamativa. As atuais investigações vão direcionadas a descobrir se este líquido expulso é sobretudo urina, que escapa por incontinência ou por debilidade dos músculos que a controla, se é só a substância que segregam as glândulas de Skene, ou se é uma mescla de ambas. Outro ponto a levar em conta é que as glândulas de Skene não funcionam da mesma maneira em todas as mulheres, existindo casos nos quais a secreção antes nomeada nem sequer se produz”.
Outra definição de squirting que nos dá mais alguma informação chega dum artigo do jornal El Mundo, tirado de sua página online, da seção “Cama redonda”, escrito por Josep Tomás, no dia dois de abril de 2008.
“(…)O responsável dessas emissões expelidas pela uretra são as glândulas uretrais, parauretrais e de Skene, que se encontram na espaço da parede anterior da vagina, o conhecido ponto G. O líquido expulso, ainda que contenha resíduos de uréia ou creatina, não é urina, senão que seu principal componente é a glicose, a frutose e a fosfatase ácida prostática, também presentes no sêmen masculino. A ejaculação usualmente se produz durante o orgasmo devido às contrações pélvicas derivadas do mesmo”.
Depois de ler este capítulo, que me clareou de alguma forma, me disse “vamos buscar a definição do fantasmagórico ponto G” e me encontrei com este assombro [17]. Por sorte a Wikipedia [18] pusera o aviso de tomar cuidado com esta definição, pois não tem referências científicas. . .Os comentários entre parênteses são meus:
“O ponto de Gräfenberg, mais conhecido como ponto G, chamado assim em honra a seu descobridor [19], o ginecologista alemão Ernst Gräfenberg, é uma pequena zona da área genital das mulheres localizada atrás do osso púbico e ao redor da uretra. É o mesmo que, ou parte de, a uretra esponjosa, onde se encontram as glândulas de Skene. Se diz que a estimulação do ponto G (através da parede frontal da vagina) propicia um orgasmo mais vigoroso e satisfatório, e é possivelmente a causa da ejaculação feminina. Tal estimulação requer um estímulo em certo modo oposto ao que se necessita para conseguir a máxima excitação clitorial com o pênis. (A clareza desta última frase é estupenda, estou fazendo um desenho para compreendê-la, e além do mais, sem pênis, como funciona tudo?). Muitos livros sobre sexo aconselham aos casais incapazes de conseguir o orgasmo feminino considerar a estimulação do ponto G como técnica sexual.
Um crescente número de especialistas acredita que a razão pela qual a estimulação desta área provoca um orgasmo “para fora” e inclusive a ejaculação feminina é que o ponto G evoluiu para um “ponto disparador” do parto (é que os especialistas ainda pensam em termos de mulher = mãe, não há outra, não há possibilidade de busca do prazer através da xota, independentemente de seu destino reprodutor). A cabeça do feto empurra este ponto durante o parto, o que parece disparar a última fase de empurre. Isto se traduz, durante a estimulação sexual normal, numa contração mais significativa da vagina.
O ponto G pode não ser somente um ponto discreto (que diabos é isso de discreto?). De fato, alguns cientistas como Natalie Angier defendem que se trata do conjunto de profundos nervos do clítoris quando passam através dos tecidos para conectar com a coluna vertebral.
O clítoris tem profundas raízes e pode mudar de tamanho e ligeiramente de posição à medida que os níveis hormonais mudam nas diferentes etapas da vida duma mulher (isto não sabia!).
Um pênis encurvado para cima tem a habilidade natural de exercer maior pressão sobre a parede frontal da vagina. Se um pênis não se curva para cima, então podem ser necessárias diferentes posições sexuais. Por exemplo, um um homem cujo pênis se curve para baixo pode achar que a penetração posterior é mais adequada para estimular o ponto G, dado que a curva pressionará a parede frontal. (Sem pênis não há ponto G, não há penetração, nem orgasmo, nem ejaculação feminina nem o cacete, e depois ainda há quem tem a coragem de dizer que isto não é uma sociedade falocêntrica. . .).
A estimulação do ponto G mediante o uso dum dedo ou da língua é possível graças à pressão combinada de empurrar o clítoris para baixa enquanto se arqueia a língua ou o dedo para cima num movimento de chamada. O dedo ou a língua deve estar entre 2,5 e 7,5 centímetros dentro da vagina para que dê resultado (o sonho de todas: uma língua elástica de 15 centímetros. . .por quê não?). Porém, cada mulher pode precisar uma forma diferente de estimulação.
Se pensa que a estimulação do ponto G é mais intensa nas mulheres maiores de trinta anos, pois as mudanças na estrutura dos tecidos do interior da vagina permitem um acesso mais fácil a dito ponto. Algumas mulheres acreditam por esta razão que na trintena alcançam seu ápice sexual.
Ponto G masculino [20]: O termo ponto G serve pra denominar também a próstata. Esta glândula, exclusivamente masculina, é frequentemente estimulado durante as relações sexuais homossexuais (claramente o sexo anal no casal heterossexual, onde sea a mulher a que penetra é ilegal). A fricção constante do pênis com a próstata produz no homem passivo (até agora seguimos com as categorias binárias de receber-passividade-submissão-debilidade/dar-atividade-domínio-poder) um intenso orgasmo de ejaculação involuntária e fortes espasmos”.
Depois de tudo isto fico com minha experiência ativa e tentarei explicar à minha maneira o que significa para mim o squirting. O squirting é o ato de esporrar, a ejaculação feminina, mas não simplesmente um orgasmo, mas esporrar com uma expulsão de fluxo vaginal que pode sair com mais ou menos pressão e ser mais ou menos espetacular, para não dizer tesudamente escandalosa! Este ato implica uma mudança de paradigma, uma ruptura com a educação recebida em quanto a bio-mulheres [21]. Até alguns meses, sempre quando tinha um orgasmo, contraia os músculos vaginais para me conter, para não deixar sair nada, para não transbordar demais. Era um ato instintivo, fruto de tanta educação repressora patriarcal heterossexista onde o prazer da mulher não existia senão como prêmio pela bravura do bio-homem capaz de fazer gozar, não se contemplava a liberdade e a autonomia para provar o prazer na mulher, sempre era o espelho onde o homem ou o casal (deixando aberta a dúvida aos casais homossexuais) via refletido o seu poder. Certamente, este poder não poderia ser obscurecido por uma foda mais espetacular que uma ejaculação masculina.
Ao contrário, o squirting implica inverter a ação dos músculos vaginais, não reter mas empurrar, e a onda propagadora que produz é de arrasto, leva consigo milênios de submissão não consensual, expulsa pra fora em toda a visibilidade duma explosão fallera ******.
É uma sensação libertadora em intervalos cósmicos, é a consciência do próprio prazer que ocupa o espaço, que se projeta fora de si, que se expande e se expressa em toda sua força.
Com toda a ingenuidade duma cachorra diante dos seus primeiros passos me senti totalmente estúpida por não tê-lo descoberto antes, sentindo meu corpo estranho a mim mesma. E pensava: quantos anos sem saber os limites do meu próprio corpo, quantos anos sem gozar plenamente o meu prazer.
Seguindo a reflexão, meu passado heterossexual começou a se recompor como um quebra-cabeças e a ignorância me esfregou a cara no chão. Antes de tudo , creio profundamente que recebemos uma educação moralista, que nos ensina a esquecer nossa corporalidade, e também católica, que não nos deixa viver jamais o prazer como um desfrute e uma busca, senão dentro da lógica do prazer reprodutor que nasce da culpa e da redenção (a dor como prazer é um privilégio dos penitentes e para isto tem que estar inscrito à ordem).
Com esta educação, a ignorância para os prazeres dos corpos é alucinante. Para começar, lembro que faz algumas décadas as mulheres não tinham clítoris mas algo ali que pouco importava, sempre que não fosse grande demais como que para competir com o poder do grande irmão falo que tudo o vê.
Por outro lado, o cu é aquele lugar de ninguém que ameaça a virilidade do bio-homem com o espectro da homossexualidade e da feminilidade da bio-mulher com a promiscuidade da putona. A busca de novos centros de prazer deslocados em relação ao centro da sexualidade reprodutiva. . .inútil.
A sexualidade continua sendo algo privado mas a ejaculação do bio-homem tem todo caráter público: sair de si mesmo, ocupar espaço, deixar rastros, ao contrário do prazer da bio-mulher transparente. Mentira!
Desde o meu posicionamento como parte daquela minoria de bio-mulheres que escolhemos nossas práticas sexuais e sentimentais como uma busca de liberdade me encontro com trinta anos com toda minha raiva por ter consciência de que o controle de cada um de nossos comportamentos sexuais continua acontecendo a cada dia.
Mas por sorte cada dia vamos descobrindo novos buracos a partir dos quais dinamitar pouco a pouco os medos e esta construção tentacular. O squirting é um ato político contra a repressão da livre expressão do prazer e não só do prazer, mas de todas aquelas formas do excesso proibidas às bio-mulheres e a todas as pessoas por um sistema que nos quer a todos implosivos. O squirting é um ato político contra o medo de explorar, contra o medo de sentir a intensidade da vida, do sexo enquanto ação, como estratégia de superação do medo de morrer.
Se antes tinha uma xota, agora tenho um fogo de artifício que dispara faíscas ao esporrar!
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Que diabos acontece, por quê nos fodem tanto, por quê assumem os nossos corpos para fazê-los servis, dóceis, manejáveis? Muito simples: damos medinho. Mulheres excitadas, ejaculadoras, penetradoras, fodedoras, sórdidas, lascivas sim, lascivas, obscenas, as xotas assassinas, as anti-histéricas vitorianas (às quais só se poderia curar lhes tocando uma punheta), corpos que se revelam fortes e monstruosos.
Estes filhos da puta pensam que esse lugar por onde enfiaram suas estúpidas cabecinhas quando suas mães lhes pariram é totalmente inofensivo, um buraco doce, adestrável, seu. Pois já não é mais! Adoraria que os que se acreditam superiores por ter uma piroca se viram na situação de ter que cagar um melão de três quilos e meio e que o fizesse sem pestanejar e sem que lhes saltasse uma lágrima.
Bom, talvez por isto dou tanto valor aos leathers (mais como metáfora que como sujeitos políticos): são magos do parto inverso, contorcionistas anais, malabaristas prostáticos, heróis do desconcerto. Não encaixam no que a sociedade classificaria como “bichas”, sua masculinidade cultivada e fetiche de si mesma é sua senha de identidade e de camuflagem de uma vez só. Poderia ser o construtor suado que carrega tijolos, o butaneiro, o lenhador, o médico da família com essa barba sempre tão bem aparada, o açougueiro; senhores que quando não passam despercebidos, o que chama a atenção deles é seu aperfeiçoamento da técnica performar o macho humano.
A teoria (generalizada neste mundo de machistões-heteros-ignorantes) de que os homossexuais são homens que perderam sua hombridade, que têm sua masculinidade atrofiada, os leathers (e, em certo modo, também os ursos [22]) não só a desmontam com um só golpe, mas que a contradizem de forma assombrosamente natural.
Sempre me pareceu extremamente curioso isso, que identifico tanto com o ibérico/mediterrâneo, de que um homem é homem em função de onde mete a piroca, e que só através duma xota, duma fêmea, um homem completa a si mesmo em tanto que os homens que não gostam de se chafurdar com mulheres são imediatamente degradados à condição de submachos. Nunca soube, nem ninguém jamais me explicou com clareza, por qual motivo a “autenticidade” ou “pureza” dum gênero tem de ser dependente do outro gênero.
O da complementaridade não cola, é evidente que as alianças entre seres humanos podem ser absolutamente monogenéricas******* e funcionar como máquinas perfeitas (exemplo claro disso são os exércitos ou os conventos). Tampouco me pareceu válido culpar todo o papel reprodutivo, um homem que vai a uma guerra pra se matar com outro não tem nada de producente e a imagem do guerreiro é universalmente identificada com a hombridade absoluta. O macho que leva sua vida com besteiras como as guerras ou a briga está pondo em constante perigo a reprodução da espécie, e nem por isso perde sua condição de macho, mas a reforça. Seria estupendo que alguém pudesse explicar de forma lógica porque o gênero com o qual uma pessoa mantém relações sexuais é tão determinante para a validade de seu próprio gênero.
Por isso, um pedaço de homão, grande, forte e peludo produz terríveis interferências no sistema heteronormativo quando fode outro homem tão macho quanto ele.
Isto já é suficientemente desconcertante, brutal e transgressor, mas se além do mais nos pusermos a observar suas práticas sexuais, o que nos é apresentado é uma poderosa bomba. Me refiro concretamente a suas práticas anais, que são as únicas que para mim têm interesse político.
O fisting [23] anal é uma prática extrema, disso não há dúvida e podemos apreciá-lo especialmente nas precauções que se tem que tomar para realizá-la (e também nas consequências que acarreta realizá-la sem essas precauções) mas sobretudo em sua carga terrorífica e terrorista. Estou particularmente interessada nela porque me parece metáfora perfeita da insurreição sexual, do terrorismo do prazer. O cu é um buraco cegado, abjeto, como diz muito bem Beatriz Preciado em seu maravilhoso “Terror anal”, epílogo do livro de Guy Hocquenghem, El deseo homosexual [24]: “Os Santos Pais, temerosos de que o corpo nascido conhecesse o prazer de não-ser-homem (. . .)tomaram tudo o que tinham em mãos (. . .)e puseram em marcha uma técnica para extirpar do cu toda capacidade que não fosse excremental. Depois de lhe dar muitas voltas encontraram um método limpo para levar a cabo a castração do ânus: meter um dólar pelo cu da criança, enquanto exclamavam: ‘Feche o cu e será proprietário, terá mulher, filhos, objetos, terá pátria. A partir de agora será o senhor da sua identidade’.(. . .) Assim nasceram os homens heterossexuais aos finas do século XIX: são corpos castrados de ânus. Mesmo que se apresentem como chefes e vencedores são, na realidade, corpos feridos, maltratados”. ********
O fisting praticado entre homens não supera tão somente a barreira da suposta perda da virilidade que implica que um homem abra suas pernas para ser penetrado, mas que o faz superlativamente, desintegrando o tópico, fisteando a estrutura castradora.
Os leathers sabe que nada tem a ver a penetrabilidade com ser homens. Não precisam que esses Santos Pais lhes venham dizer quem tem o poder, eles e seus fiofós intermináveis o têm, não há dúvida.
Conheço alguns homens que renunciaram o maravilhoso prazer de cagar em troca da habitual prática do fisting, que tem de ser descontado muito melhor que se sentar no vaso do WC com o jornal e deixar sair a merda. Carregam uma bolsinha encostada na perna que por sua vez está conectada a uma sonda que atravessa seu intestino grosso por um lado e por onde sai a merda que se vai depositando na bolsinha. Os músculos do seu cu se distenderam e seus intestinos não retêm, os transformaram em instrumentos para obter prazer. Claro, a grande maioria dos praticantes de fisting que conheço seguem cagando por onde cagamos, mais sei em primeira mão que algo assim (renunciar à cagada em troca do fisting) ocorre. Me contaram os meninos da Eagle [25], um local em pleno coração de Chueca, onde tinham covil habitual os homens (e algumas mulheres) que praticam BDSM. Eles têm sorte, alguns médicos se deram ao trabalho de inventar soluções para suas barbaridades, de investigar as consequências dessa prática extrema e por seu conhecimento e averiguações a serviço da sexualidade dos homens que a praticam.
Ainda tenho sérias dúvidas se eles são realmente conscientes de sua transgressão (uma transgressão que vai muito mais além do fato de serem viados) pois às vezes tenho a impressão, conversando, observando suas vidas, de que a única coisa que lhes preocupa é ter ao menos um dia na semana livre para ir se fistear no quarto escuro de plantão. Esta dúvida, não obstante, não resta importância a que seus atos possam servir para refletir sobre temas como a masculinidade ou os limites do corpo. Finalmente, têm poucas coisas pelas quais se preocupar: a sociedade não lhes julga de antemão e, além do mais, têm uma assistência médica especializada à sua disposição. Para nós**, em troca, há um vazio informativo absoluto, como sempre.
A última vez que compareci na minha ginecologista (privada) fui ingênua demais ao pensar que ela saberia o que um fisting. Ela já sabe que minhas práticas sexuais se desenvolvem há muito tempo dentro do âmbito feminino, de modo que tratei de lhe explicar que às vezes em lugar de me conformar com um dedo ou dois, o que me agrada é que me metam a mão inteira. Se alarmou, e não soube me dizer muito bem que consequências médicas poderia ter. Só, e por pura dedução, me disse que com certeza afetava à bexiga de uma forma ou outra, e que algumas mulheres depois do parto sofrem uma cistite grave.
E aí é onde queria eu chegar com ela, mas não soube me ajudar muito, só me dar uma pista imprecisa. A prática me levara à conclusão de que o fisting vaginal pode causar cistite (“stite” decidimos batizá-lo nós que sofremos suas consequências). Por isso considero importante refletir aqui as conclusões às quais cheguei, que estão muito longe de serem científicas, pois não sou ginecologista, mas que diante da evidência de que ninguém até agora se preocupou em investigá-lo (pelo menos que eu saiba, e eu procurei, sério) melhor isto que nada.
É básico, e talvez o mais importante de tudo, ter a bexiga vazia para receber um punho. Quando não está, a pressão do punho sobre esta faz com que a urina saia e, o pior de tudo, cabe a possibilidade de que volte a entrar, também pela pressão e pelo movimento da mão. E quando volta a entrar, já não é só urina, é urina com fluxo vaginal, com esporro, com milhares de agentes externos à bexiga que conduzem quase irremediavelmente a uma infecção urinária (ou renal no pior dos casos). Obviamente as luvas de vinil ou lavar bem as mãos (claro, com as unhas curtas) antes de metê-las em qualquer xota é essencial. E também é usar um bom lubrificante (os à base d’água são os menos agressivos para a xota, tampouco o azeite de oliva é ruim). E bom, paciência é o outro elemento chave em tudo isso. Eu sempre digo que por onde sai uma cabeça entra um punho, mas obviamente as condições de dilatação que dão num parto nunca são as que se dão durante uma transa. Parir é algo agressivo para a vagina e durante o parto o corpo segrega substâncias que facilitam a dilatação, de modo que nem todas as mãos cabem em todas as xotas sem agredi-las. Se não entra, não entra. A dor não tem porque fazer parte desta prática e uma forma segura de fazê-lo é não perdendo nunca a conexão com a qual o corpo tem que nos dizer. A dor está aí para nos salvar o cu (ou a xoxota) em muitas ocasiões e esta não é uma exceção.
O mais interessante do fisting vaginal (o lésbico para ser mais concreta) é que nos ensina algo muito importante. A típica frase machistona que tanto me irrita “o que essas precisam é uma boa rola” expelida pela grande maioria dos homens hetero quando se referem às lésbicas (quando se frustam porque elas não precisam deles nem de suas pirocas), é anulada por esta prática. Uma rola? Ainda não tive a sorte de encontrar nenhuma piroca com um diâmetro superior ao dum punho. E da longitude melhor nem falar, não?
Nossos punhos eternamente eretos servirão pra desbancar de uma vez por todas essa ideia absurda (não sem certa falta de razão, malditas xerecas fechadas das caminhoneiras-feministóides) de que entre duas mulheres não pode haver nenhum elemento penetrador. E não só isso, senão que se trata dum elemento penetrador não protético, está no corpo, feito de carne e osso e músculo, nos faz completamente autossuficientes e muito mais que isso: o orgasmo que se experimenta com um fisting supera com muitos acréscimos ao que pode provocar qualquer outra coisa. É um orgasmo que nasce do centro do corpo, que estoura dentro como uma galáxia, realmente se vê as estrelas, todas as fodidas constelações diante de você.
Por isso eu ergo um altar sagrado à Virgem do Punho, a nossa própria, que nada tem a ver com as tacanharias humanas mas sim com a gula de nossos orifícios insaciáveis, inconformistas e sem-vergonhas.
No pornô, o fisting anal gay está amplamente representado [26]. Não se esqueça em nenhum momento que estes cavalheiros (ainda que sejam viados) não renunciarão ao poder para ser subversivos, de fato, nem mesmo lutarão por ele (ao menos na indústria pornográfica): lhes foi entregado no preciso instante em que nasceram e o médico disse “é um menino”.
Com o fisting vaginal, assim como o esporro feminino, ocorre uma coisa terrível: a pornografia usualmente o converte numa paródia, num numerozinho de circo. Não sei quantos homens (ou mulheres) se masturbaram com vídeos de esporros femininos ou de fistings vaginais. Colocaria a mão no fogo para afirmar que são (somos) uma minoria. De fato, em páginas como xtube, pornotube ou redtube, este tipo de cena ficou relegado às seções de crazy&wild, bizarre ou extreme. A maioria dos punheteiros prefere que seus jatinhos semanais não se encontrem ameaçados por esporros espetaculares ou que o punho duma senhorita não dê protagonismo a sua indispensável piroca.
Por isso em minhas performances me abro como uma vadia faminta para receber na minha xoxota uma mão (nunca inocente) que, como num truque de mágica que saca um coelho da cartola, me fistea para me tirar um poema e posteriormente me faz esporrar como corre a água pelos rios, isto é, em abundância.
Só pensando na aceitação da repressão sexual como uma consequência direta do medo do desconhecido posso chegar a compreender sua raiz. Evidentemente é uma repressão que beneficia àqueles que não nos querem livres nem autônomes, mas as pessoas inteligentes que passam toda sua vida reprimidas não o fazem porque não têm consciência dessa repressão mas porque têm medo de perder os privilégios e as compensações que muito habilmente o sistema põe à disposição daqueles que se submetem, daqueles que se automutilam. É uma questão de prêmios e castigos muito muito simples, quase de adestramento canino: se faz o que lhe ordenam lhe premiam, do contrário não valeria a pena sacrificar algo tão importante; se não faz o “conveniente”, têm projetado todo um sistema de castigos para você, então se você quiser ser livre, prepare-se. Mas, qual é o preço da liberdade sexual? Quanto vale ter um orgasmo ou não tê-lo jamais? Sinceramente, eu (que estou à venda em muitos sentidos) jamais venderei algo tão sagrado e que afeta a minha saúde e a minha felicidade.
Evidentemente não é necessário andar metendo punhos pelo cu ou pela xoxota, esporrando jorros ou montando orgias cada dia para se livrar da repressão sexual. Basta ter consciência de que podemos fazer o que nos bata vontade com nossos corpos sem ser por isso doentes ou delinquentes. Há práticas que poderão nos agradar mais ou menos que outras, mas é importante saber a quantidade de faces que tem o sexo para conhecer o que realmente nos agrada, para nos atrevermos a descobri-lo.
O que foi dito: do medo à raiva e da raiva à ação, não deixe que lhe estagnem, não fiquem com medo nem com raiva. Ação. Ou como diria Benedetti, Não fique imóvel na beira da estrada, não congele a alegria, não queira com relutância”, e não deixe que ninguém lhe salve, não há nada que temer.
NOTAS
[1]Quando digo leathers [“lederones” em espanhol] me refiro principalmente ao coletivo de bio-homens homossexuais que demarcam, em suas práticas ou em sua estética, dentro do sadomasoquismo. Característico deles é a roupa de couro, militar, esportiva, skin e demais códigos. Suas práticas usualmente se desenrolam em lugares semiprivados aos que geralmente não têm acesso a bio-mulheres nem pessoas que não sejam do “rolê” ou que não se vistam dentro de seus próprios códigos.
[2] http://hazteunmanolo.blogspot.com
[3]O projeto Transvisibles: anoche soñé que Judith Butler era un hombre [Transvisíveis: de noite sonhei que Judith Butler era um homem] pode ser consultado e visto no seguinte endereço: www.hidrophone.com/webTrans-visibles/index.html
[4]Bea Espejo é ativista pelos direitos das prostitutas e des transexuais. Publicou Manifesto Puta, Bellaterra, Barcelona, 2009. Também faz parte do Colectivo de Transexuales de Cataluña.
[5] A Guerrilla Travolaka foi um coletivo de luta transgênero e transexual fixado principalmente em Catalunha, que desenvolveu sua atividade entre 2006 e 2009 e foi o principal motor do movimento pela despatologização das identidades trans. Para saber mais: http://guerrilla-travolaka.blogspot.com/
[6] O poema “Transfronteira” pode ser lido no capítulo “Poesia pornoterrorista e outros desvarios” deste libro.
[7] Verónica Arauzo é ativista trans e prostituta. Também escreve há alguns anos um testemunho divertido e valiosíssimo como documentação do ofício da prostituição nuns textos intitulados “Aventuras y desventuras de una puta trans en el extranjero”[Aventuras e desventuras duma puta trans no estrangeiro]. Estes textos carregados de senso de humor, realismo e faltas de ortografia (porque a Verónica não lhe refreiam a língua) podem ser lidos no seguinte endereço: http://aloefresa.blogspot.com/2008/07/aventuras-y-desventuras-de-una-puta.html
[8]Sonia Rescalvo foi uma transexual brutalmente assassinada no parque da Ciutadella de Barcelona em 1991 por um grupo de fascistas. Graças Às reações de coletivos como o Frente de Liberación Gay de Catalunya [Frente de Libertação Gay da Catalunha] (FAGC) o assassinato não ficou impune e os assassinos cumprem suas sentenças. Todo ano se celebra no parque, no dia 5 de outubro, uma homenagem a Sonia.
[9] A entrevista completa pode ser vista no seguinte endereço: http://pornoterrorismo.com/mira/entrevistas/
* Como um binder, técnica contra-cistêmica utilizada por transmasculinos para acuendar os peitos. [N.T.]
[10] Considero neste ponto fazer um esclarecimento importante: quando diga “luta transexual e transgênero” não incluo as pessoas trans cuja única luta foi para se converter em pessoas normais e normativas, não incluo às pessoas que acusam o movimento pela despatologização de neotransfobia. Tampouco aquelas pessoas trans que já estão conformadas sendo homens e mulheres heterossexuais, isso não tem nada de revolucionário.
** “Nosotras” no original. Não há um equivalente em português, se referindo à flexão feminina do pronome “nós” [N.T.]
*** “Conejito”, “chichi” e “almejita”, respectivamente, no original. As três palavras são nomes de animais (coelho, barata e amêijoa) e se referem à vagina. Como existe a música “A barata” do Só pra contrariar, optei por manter a palavra barata. As demais eu apenas mantive o diminutivo que consta em espanhol, tentando contextualizar com palavras em português. [N.T.]
**** O “corre” em questão tem a ver com a palavra utilizada em espanhol pela autora pra se referir ao gozo feminino: “corrida”. [N.T.]
[11] Chiara Schiavon é licenciada em Belas Artes, artista, ativista e vj, italiana residente na Espanha. Faz parte dos coletivos de arte e ação Idea Destroying Muros y Video Arms Idea. http://magnafranse.tumblr.com/
[12] Citação da Ree’sCyclopaedia 1802 -1820, em Bornay, E.:Las hijas de Lilith, Arte Cátedra, Madrid, 1990.
***** Trocadilho com “rega por aspersão”, método que utiliza a simulação duma chuva artificial para fornecer água à plantação.
[13] Catálogo da exposição “Claude Cahun” Ed. IVAM, Institut Valenciá de Art Modern,2001.
[14]Texto completo em: http://www.mirorenzaglia.org/?p=4957
[15] http://intimo.centromujer.es/sexo/eyaculacion-femenina-lo-que-si-sabemos-sobre-ella.html
[16] http://www.elmundo.es/elmundo/2008/04/01/camaredonda/1207071483.html
[17] Aqui cabe recordar que Wikipedia se convertera numa das primeiras fontes de conhecimento universal, à qual pode acessar quase qualquer pessoa e que, portanto, a merda da informação que se derrama nela é proporcionalmente prejudicial com base nas burrices que diz. Muita gente pensa que na Wikipedia reside a “verdade” de muitas coisas, mas basta observar este artigo que copia Chiara para nos dar conta de que na realidade não faz mais que perpetuar o arcaico sistema binário heterocentrista. Impossível falar de anatomia feminina sem falar também de masculina. É curioso o detalhe da quantidade de vezes que aparece a palavra “pênis” (5) e as vezes que aparece a palavra “vagina” (4), num artigo sobre genitalidade e sexualidade feminina!
[18] NOTA da edição digital: Na atualidade (2014) o artigo foi modificado e melhorado. Em 2010 era atroz http://es.wikipedia.org/wiki/punto_G
[19] Descobridor, soa tão colonialista. Nunca houve um descobridor da ponta da piroca, dos ovos ou nem mesmo da próstata. Odeio que o corpo da mulher seja tratado como uma terra de conquista, como se ninguém tivesse estado ali antes, como se ninguém soubera explicar antes. A puta ignorância é o salvo conduto de todos os malditos descobridores.
[20] No artigo sobre a próstata da Wikipedia, em nenhum momento se fala de genitais femininos. Por isso me pergunto: o que diabos faz uma explicação sobre a próstata, que de nenhum modo necessita se identificar com o ponto G porque já são conhecidas de sobra suas funções, num artigo sobre o ponto G?
[21] Conceito de corpo de mulher nascida para repetir a norma secular de corpo binário com vagina (o clítoris de qualquer modo se tornou ilegal, pra não falar do cu) em oposição ao corpo do bio-homem com piroca (o cu também está fora da lei). A bio-mulher é educada à submissão não consensual e ao costume de não desejar o poder, e a não tê-lo. Seu destino: a reprodução. (Ideia desenvolvida amplamente por Beatriz Preciado em seu livro Testo Yonqui, Espasa, Madrid, 2007).
****** “Fallera” se refere a Las Fallas (em castelhano) ou Les Falles (em valenciano), uma festa típica da cidade de Valência, na Espanha, que consiste em queimar grandes figuras satíricas de papel machê ou de madeira, chamadas fallas, nas ruas e pracinhas da cidade. [N.T.]
******* “Monogenéricas” se refere a relações entre pessoas do mesmo gênero.
[22] A cultura “urso” ou “bear” é uma vertente do movimetno LGBT. Caracteriza-se pela reivindicação de outras corporalidades, as dos homens peludos, grandes, gordos, em contraposição à febre do culto ao corpono âmbito gay, que consideram frívola e apolítica.
[23] A palavra “fisting” vem do inglês “fist”, que significa “punho”. A possível tradução em português seria “punhar”.
[24] “Terror Anal” de Beatriz Preciado, epílogo ao livro de Hocquenghem, G.:El deseo homosexual, Melusina, Barcelona, 2009. [N.A.] A tradução para o português foi publicada pela Imprensa Marginal: PRECIADO, Paul B. Terror anal. Tradução de Inaê Diana Ashokasundari Shravya. São Paulo: Imprensa Marginal, 2018.
******** A tradução utilizada foi a da publicada pela Imprensa Marginal.
[25] Eagle era (lamentavelmente fechou em 2010 para voltar a abrir com outro rolê) uma espécie de vírus no sistema. Estava dentro do gueto de Chueca mas não sucumbiram à tentação do pink money, uma cerveja custava o mesmo que em qualquer bar da cidade. Realmente marcava uma diferença com o resto dos negócios da zona: botam música boa, não deixavam entrar as pessoas que não fossem do rolê (às mulheres a princípio não as deixavam entrar, mas não podiam resistir a uma vadia com arreios e bem armada) e sua atitude foi sempre de maneira geral mais autêntica que a das bichas ou das caminhoneiras que saem só para viver de aparências. Também era o único lugar onde se podia foder (ou onde nós tias podíamos fazê-lo). Era realmente um bar de amigos, não um ninho de hienas onde a frivolidade é a rainha da festa.
[26] Qualquer produção de Dark Alley ou de PigProd pode dar conta disso. Mais informação emwww.darkalley.com e www.pig-prod.com