* por Imprensa Marginal
Nos últimos dias, Mestre Moa morreu após levar DOZE facadas em uma discussão com um eleitor de Bostonazi. Uma garota foi torturada pela polícia após ser pega escrevendo #elenão no muro perto de sua casa. Outra garota que andava na rua com uma camiseta escrito #elenão foi agredida e teve uma suástica marcada a faca em sua barriga. Um senhor teve sua receita rasgada pela médica que o atendia quando disse a ela que seu voto não era para Bostonazi. Outras tantas pessoas foram agredidas verbal e fisicamente, perseguidas e alvo de diversos tipos de violência nos últimos dias pelos mesmos motivos.
Mas a violência no Brasil não para no processo eleitoral de 2018. Há 518 anos indígenas e negrxs são alvo de um verdadeiro genocídio; a polícia mata diariamente nas periferias; mais de uma centena de mulheres é estuprada todos os dias no país; lésbicas, gays, pessoas trans e bissexuais são mortxs, humilhadxs, agredidxs – lembrando que o Brasil é o país onde mais se mata pessoas trans no mundo inteiro; ativistas de movimentos sociais são perseguidxs e muitas vezes assassinadxs; grupos neonazis espancam, atacam e matam pessoas nas ruas; mulheres morrem aos montes em abortos clandestinos; os problemas sociais são tratados como caso de polícia e a população é massivamente encarcerada em verdadeiros depósitos de seres humanos. Há 518 anos somos exterminadxs, e reina a lógica racista, misógina, LGBT-fóbica.
E enquanto alguns homenageiam antigos torturadores da ditadura militar como se fossem heróis, poucos se lembram das tantas Cláudias, Marieles, pessoas mortas nos Crimes de Maio, Massacre do Carandiru, Eldorado dos Carajás, e tantas outras chacinas que ocorrem diariamente pelo país que em grande parte das vezes terminam com condecorações para a policia ou simples afastamentos temporários.
Falta pouquíssimo tempo para o segundo turno das eleições e temos visto muitas discussões e debates entre anarquistas, feministas, antifascistas e libertárixs em geral com opiniões bastantes diferentes sobre o que fazer. Esse processo eleitoral, mais ainda do que todos os outros anteriores, tem se mostrado uma grande novela de mau gosto, com episódios pautados em todo tipo de jogo sujo. Temos, obviamente, o ponto em comum de que ninguém vê com bons olhos a possibilidade da chegada de Bolsonazi a presidência do Brasil, com todo seu racismo, machismo e homofobia escancarados e defesa de políticas de extrema direita, ditadura militar, tortura, etc.
O ponto em desacordo muitas vezes tem sido a possibilidade do uso do voto como ferramenta estratégica para não permitir que ele seja eleito, ou, por outro lado, a estratégia desde sempre cara a muitxs anarquistas da campanha pelo voto nulo ou abstenção como meio de trazer a tona o caráter ilusório das urnas como meio de mudanças sociais reais, e a propaganda pela criação de organizações populares horizontais. Em meio a isso surge também todo esse processo de mulheres se organizando em dezenas de cidade e indo as ruas massivamente contra Bolsonazi – e que bom ver as pessoas indo às ruas.
Porém, uma coisa é fato. Tudo isso que se está vivendo na atualidade no Brasil está muito além de Bolsonazi, que de certa forma é só a parte mais visível de um problema muito maior, e que também começou muito antes de que este se tornasse o ícone midiático que é hoje. Por mais heterogenea que seja sua base eleitoral, é nitidamente visível pelas estatísticas a presença entre seus apoiadores de um número enorme de jovens. Desse número, obviamente há aquelxs que, fechando os olhos para tudo de retrógrado que representa, vêem erroneamente Bolsonazi como uma suposta ‘solução’ à desesperança com a atual situação política e o descrédito que a esquerda partidária caiu, a partir da associação no senso comum entre esquerda e corrupção, mas também a partir de anos de políticas que procuraram amansar movimentos sociais, alianças esdruxulas pautadas por uma suposta governabilidade e políticas onde por fim quem dita as regras é a lógica do capital e das grandes corporações mundiais, com seus interesses que obviamente nada tem a ver com os nossos.
Mas dentro de tudo isso é preocupante o crescimento exponencial de um outro tipo de mentalidade entre a juventude – aquela que flerta realmente com a extrema direita, o ideário fascista, as declarações racistas, misóginas e homofóbicas do candidato. É assustador como nesse quadro, pessoas se sentem cada vez mais a vontade – e com apoio – para agir violentamente, agredir, vomitar idéias fascistas abertamente, e fazer valer de todas as formas sua intolerância. Se antes denunciávamos a ação fascista violenta de pequenos grupos como skinheads white powers, separatistas, integralistas e outros dessa corja, agora vemos vizinhos, parentes, pessoas conhecidas ou nem tanto, que defendem Bolsonazi e suas declarações absurdas, defendendo golpes e intervenções militares, ações truculentas da polícia, pena de morte, e por aí vai. Mas isso não é obra de Bolsonazi, por mais influência que tenha no momento. É um processo que surge antes ainda com múltiplos fatores, e que encontra ele como rosto visível nesse momento, contribuindo para que se amplie. Mas a verdade é que nos próximos tempos, com ou sem Bolsonazi, podem surgir novos ícones, novos rostos, novos porta-vozes. E a era da internet e das redes sociais ajudam muito nisso. Esse tipo de mentalidade tem se instalado e espalhado na juventude que, cansada do que existe, tem se alinhado à direita de forma extremamente preocupante. E seja lá qual for o resultado das eleições, precisamos pensar nisso com muita seriedade.
Tempos estranhos nos esperam, e cabe a nós anarquistas, feministas, antifascistas, analisar essa conjuntura com cuidado, procurar entender como se deu e tem se dado esse processo, quais nossas falhas durante esses anos todos, e como lidar com a situação para que seja possível seguir para outros rumos. Para além de Bolsonazi e das eleições que se avizinham – e que o “coiso” não chegue ao poder – , que soluções reais podemos criar e colocar em prática coletivamente para fazer frente a isso? Nossas discussões e ações coletivas precisam ir além!
Essa luta não começou ontem, nem vai terminar com o resultado das eleições. Essa luta está para além das urnas ou de um período eleitoral, ela deve seguir nas ruas, todos os dias.