Uma história breve mas muito informativa de como os fascistas infiltraram o Punk e Metal

por | Alexander Reid Ross*, escrito para https://noisey.vice.com/

Desde a década de 70, os fascistas têm tentado empurrar suas ideologias nos punks e metaleiros através do esoterismo e “liberdade de expressão”

As consequências do Unite the Right Rally em Charlottesville, organizado por fascistas ao ar livre, trouxe um novo senso de urgência para o movimento anti-racista e antifascista. Após a demonstração ter sido abortada, um neonazi chamado James Alex Fields conduziu um veículo em meio a um grupo de antifascistas, matando um e ferindo 19. Fields foi fotografado na demonstração entre o grupo fascista Vanguard America, usando seu uniforme de pólo branco e calça cor de caqui e brandindo um escudo com o logotipo de dois fasces cruzados em um X. Esta imagem parece nos dar uma clara compreensão de como é a cara do fascismo e onde o mesmo pode ser oposto. No entanto, movidas fascistas raramente são tão óbvias e abertas. Os esforços fascistas para recrutar e influenciar freqüentemente ocorrem sob tons de ambiguidade nos espaços subculturais, por exemplo em shows, festas, em revistas e online. Existe a probabilidade de que muitos deixem a alt-right ou recuem de volta para esses espaços para recuperar confiança.

Para as pessoas que vivem do outro lado do país, em Portland, Oregon, o assassinato de 12 de agosto trouxe recordações tristes de 26 de maio, quando um atentado motivado por racismo, por Jeremy Joseph Christian, deixou dois mortos e um gravemente ferido em trânsito público. As notícias surgiram rapidamente das associações de Christian com recentes protestos ligados à alt-right, mas ele não se encaixava no típico perfil da supremacia branca – ele curtia heavy metal, anarquia e niilismo.

Enquanto Fields nos dá a clara imagem de um fascista ocidental, ansioso por intimidar outros que ele considera mais fracos e capazes de atos extremos de violência, é importante relembrar que a alt-right emergiu através de uma longa história de esforços contínuos pelos fascistas para manipular diferentes culturas e seus valores, desde o anti-intervencionismo conservador até o anti-imperialismo esquerdista e até mesmo as subculturas do rock. Para impedir que os fascistas continuem a se organizar, as subculturas devem se opor não apenas àqueles que usam camisas polo brancas e calças cor de caqui, mas também àqueles que costumam se esconder na ambiguidade muitas vezes oferecida pela dinâmica da subcultura de absorver os outros, e pela formação de grupos musicais.

Na sequência dos assassinatos de 26 de maio em Portland e do assassinato em Charlottesville em 12 de agosto, a alt-right não deve ter espaço seguro, nenhum lugar para se esconder e nenhuma capacidade de organização.

Metapolíticas, Skinheads e Neo-folks

Um olhar sobre as fotografias e os vídeos da exibição macabra do sábado e a tocha da alt-right acesa pela Universidade da Virgínia que ocorreu na noite anterior revela uma estética não apenas de country club renegado, mas uma variedade de estilos, de bigodes e cortes de cabelo hipster a camisas de banda de hate rock e skinheads usando materiais da Blood & Honor abertamente. A alt-right não tentou substituir essas cenas contra-culturais, mas sim adicionar nelas outros setores da sociedade. Na verdade, a atitude punk e as subculturas do metal continuam a ser vitais para o movimento fascista moderno.

Quando as cenas de punk e metal surgiram na década de 70, elas encapsularam os sentimentos de pessoas da classe trabalhadora traídas por condições fora de seu controle. Explorando uma recessão econômica no Reino Unido sob um governo trabalhista de esquerda, os fascistas começaram a se organizar para um partido político chamado National Front, mas enfrentaram oposição violenta da esquerda. Um grupo de membros da National Front concordaram em uma abordagem “metapolítica”, intervindo em meios subculturais como o punk e o metal para transformá-los em terrenos de propagação do fascismo. Esta abordagem, obtida de um grupo de ideólogos fascistas conhecidos como European New Right, formaria mais tarde o fundamento da ideologia dos alt-right.

Tomando inspiração de uma rede de células terroristas “revolucionárias nacionais” estruturadas como núcleos de esquerda e inspiradas pelo fascista ocultista, Julius Evola, este grupo separatista fundou a Official National Front e começou a trabalhar ativamente para recrutar skinheads fascistas como “soldados políticos”. A pessoa escalada para cuidar deste assunto, Ian Stuart Donaldson, comandava uma banda chamada Skrewdriver, que surgiu do rock’n’roll da cena Oi! punk em 1976. Quando os esquerdistas organizaram um concerto anual chamado Rock Against Racism para construir um movimento de base contra a National Front e os skinheads fascistas, Donaldson criou um contra-evento chamado Rock Against Communism e uma rede de distribuição chamada Blood & Honor, ambas existindo até hoje.

O que seria o “Vanguardismo” do Nacional-Bolchevique

No início da década de 1980, dois membros de uma banda de esquerda que tocou no Rock Against Racism se mudaram para a Alemanha, desiludidos pela esquerda, e se juntaram à “terceira via”, uma outra vertente do fascismo (nem capitalista, nem comunista estadual, mas socialista nacional). O que eles acabaram por criar foi uma espécie de estética fascista vanguardista que poderia atrair aqueles que recuaram na presença de skinheads bêbados e barulhentos.

Tomando idéias tanto da esquerda quanto da direita enquanto adotavam as idéias ocultas de Evola, sua nova banda, Death In June, produziu um som monótono, com letras muitas vezes lúgubres evocando as ruínas da civilização e o desejo de se reerguer, como a fênix renasce das cinzas. Em breve, Death In June e associados desenvolveram uma rede de bandas em torno do gênero, “neo-folk”, que estava ligeiramente ligada à National Front, bem como grupos de reflexão fascistas como as Islands of the North Atlantic (IONA) e Transeuropa.

Enquanto a Blood & Honor, rede de distribuição de Donaldson, ajudou a difundir a National Front e a ideologia nazista através de concertos e festas skinheads pelo mundo, bandas neo-folks e artistas similares de ruído e experimentais, como Boyd Rice e Michael Moynihan, exploraram cada vez mais o fascínio contra-cultural da metapolítica, envolvendo-se em Satanismo, paganismo e fascismo. Músicos dedicados asseguraram que nenhuma vertente, exceto o hate rock, poderia ser reivindicado exclusivamente por fascistas, mas a luta seria difícil e muitas vezes violenta.

Em São Francisco, os skinheads fascistas e as cenas vanguardistas se juntaram com a American Front, que acabou por desenvolver mais vínculos com assembléias políticas maiores, da Austrália à Bélgica, Canadá à Espanha, França e Inglaterra em uma nova rede que levaria o nome de “European Liberation Front“. Muitos desses grupos eram organizados sob idéias “nacional-bolchevique”, em que o mundo deveria ser organizado em estados étnicos em uma versão ultranacionalista federada da União Soviética. Foi a primeira emissão de um sindicato fascista internacional que mais tarde viria sob a influência do fascista russo Alexander Dugin e sua filosofia “eurasiática”, ambos associados atualmente à alt-right.

Organizadores da European Liberation Front, como Troy Southgate, anteriormente da Official National Front, procuraram explorar a ideologia anarquista associada a subculturas de punk e metal, bem como grupos radicais autônomos rebeldes. Chamando a sua fusão ideológica de “nacional-anarquismo”, esses fascistas comandaram uma estratégia trotskista conhecida como “invasão”, entrando em grupos (particularmente no movimento verde) e os fazendo confrontar suas ideologias ou destruindo-os de dentro pra fora. De uma forma mais tarde tomada pela alt-right, os fascistas desdobraram idéias esquerdistas contra a esquerda para se esconderem ao mesmo tempo que corromperam tendências igualitárias e anarquistas dentro das subculturas que permaneceram superficialmente anárquicas. Negar aos fascistas esses pontos de entrada reduz uma grande e importante base de sua organização.

Black Metal Nacional Socialista

Através de gravadoras como Resistance Records, Elegy Records e Unholy Records, empresas de distribuição como Rouge et Noir, e revistas como Requiem Gothique e Napalm Rock, os fascistas fundiram hate rock e neo-folk com pensamentos anarquistas e niilistas para levar de forma convincente suas idéias e temas às subversivas – embora politicamente ambíguas – contraculturas. Temas importantes incluíam o ocultismo espiritual e o niilismo (de como, tudo deve ser destruído para que a vida verdadeiramente nacionalista possa começar de novo), bem como uma ligação da ecologia localizada com a essência e o espírito da nação, muitas vezes identificadas ao longo de linhas “folk-lizadas” ou tribais.

Os fascistas também fetichizavam os mitos arianos e um retorno ao paganismo como naturalmente mais perto do povo europeu – uma tendência que se tornou especialmente clara com seu suporte ao black metal escandinavo. Desenvolvido como uma reação ao metal de cabelos brilhantes e às bandas de death metal bagunçadas da década de 1980, o black metal escandinavo dos primórdios tinha como foco a brutalidade na música, enfatizando uma austera estética de sangue, violência e rituais de sacrifício.

À medida que o black metal se espalhava nos EUA e vários grupos assinavam com a Blood & Honor, um grande número de bandas se tornavam cada vez mais abertas em falar sobre o nacionalismo branco. Depois que o líder de Burzum, Varg Vikernes, assassinou um membro de uma banda rival, Michael Moynihan ajudou no desenvolvimento de Lords of Chaos, para discutir o black metal e o satanismo no que se tornou a principal narrativa da cena do black metal. Assim, muitos jovens intrigados pela brutal comunidade do black metal se introduziam como “anarco-fascista-pagãos”, de acordo com o eminente estudioso Mattias Gardell, alimentando-se em uma crescente rede internacional de bandas e fãs especificamente nacional-socialistas do Black Metal (NSBM – National Socialist Black Metal).

Alerta ameaçador de Portland

As consequências do cruzamento entre ideias fascistas e anarquistas nas subculturas podem ser graves. Em maio de 2010, antifascistas que faziam campanha contra a violenta rede skinhead fascista, a Volksfront, ficaram surpresos quando um ativista anti-fascista chamado Luke V. Querner foi baleado por um fascista, deixando-o paralisado. Após o tiroteio, Rose City Antifa expôs duas bandas de NSBM, Immortal Pride e Fanisk, alertando com cautela: “o que sabemos sobre a subcultura também está sendo contestado ideologicamente, uma realidade que ignoramos por nossa conta e risco”.

De acordo com comentários na página da Indymedia, o grupo conectado à Volksfront, Immortal Pride, admitiu seu fascismo com orgulho, enquanto Fanisk argumentava que sua arte “transcendente” tinha sido incompreendida por vulgos antifascistas que estão de caça às bruxas. As tentativas de Fanisk para desviar as alegações aconteceram paralelamente às tentativas dos fascistas de traduzir suas idéias em temas incontroversos como “o direito à diferença”, o que significa os estados étnicos do estilo do apartheid, ou “simultaneamente a favor do poder branco, poder amarelo [poder negro] e poder vermelho”.

Em meio à controvérsia e as consequências do tiroteio e da subseqüente exposição, um fã do Immortal Pride chamado Tom Christensen anunciou silenciosamente no Stormfront sua exploração da cena punk e black metal e sua colheita de informações sobre antifascistas:

“Eu costumava ser um grande punk rocker na cena musical e havia alguns antis que corriam na mesma cena. Eu era amigo de alguns … Mantive minhas crenças para mim e acabava com quaisquer opiniões expressadas por eles que pareciam ter furos. Foi bastante útil conhecer algumas dessas pessoas. Agora sei quem são os principais nomes na cena anti e SHARP [Skinheads Against Racial Prejudice]”.

Mais tarde ele perguntou ao Stormfront se ele deveria ou não dedurar seus camaradas antifascistas. Christensen foi descoberto pela Rose City Antifa e exposto em um alerta de maio de 2013, apenas depois de uma série de acusações feitas pelos anarquistas aos grandes júris regionais da especulação que informações que ele entregou à polícia foram usadas contra eles. Ele também veio a ser identificado como “Trigger” Tom, sugerindo talvez que ele tivesse atirado em Querner em 2010. Se essas especulações são ou não precisas, a atitude de Christensen na sociedade sub alternativa deixou os antifascistas crucialmente vulneráveis. Em 8 de agosto de 2017, numa terça-feira, Christensen foi preso por esfaquear alguém em no show do Rancid / Dropkick Murphys em Chicago.

Um fim à invasão?

Até hoje, os grupos fascistas encontram um abrigo movendo-se entre subculturas politicamente ambíguas e grupos fascistas. Paul Waggener, líder de um violento grupo bioregionalista-fascista, The Wolves of Vinland, que tem incidentes em todo os EUA, tenta espalhar sua visão étnica-separatista através de projetos de neo-folk e black metal. Apesar de o líder do WoV na região de Portland, Jack Donovan, se denominar “anarco-fascista” e ter discursado em conferências alt-right, os esforços da Rose City Antifa para expor esse grupo e seus locais de trabalho encontraram resistência de apologistas niilistas.

Foi importante para muitos que Jeremy Christian identificou sua idéia de uma pátria bioregionalista e branca no noroeste do Pacífico como “Vinland“, um termo usado não apenas pela WoV, mas também pelo agora extinto grupo fascista vinculado ao NSBM, Heathen Front, liderado pelo infame nazista, James Mason, cujo trabalho é publicado pelo “anarco-fascista” Michael Moynihan.

A mistura de Christian de biorregionalismo, racismo e metal também chegou aos ouvidos do líder do grupo nazista Northwest Front, Harold Covington, cuja experiência como nazista inclui participar no planejamento do Massacre de Greensboro (Greensboro Massacre) em 1979 e criar o grupo inglês fascista skinhead Combat 18, vinculado com a Blood & Honor. Atualmente dedicado a entrar no popular movimento bioregional de Cascadian e encaminhá-lo ao fascismo, Covington declarou: “Parece que [Jeremy Christian] era um dos ‘nossos’ muitos caracteres marginais”. Grupos nacionalistas brancos semelhantes existem ao redor do neo-Confederado movimento no Sul.

A cena metal, punk, biorregionalismo e outros meios subculturais interligados continuam a fornecer um sentimento de abraçar àqueles que precisam, mas muitas vezes se tornam insulares e defensivos quando criticados por fora. Essa insularidade abre uma vulnerabilidade aos persistentes esforços dos invasores fascistas. No entanto, a oposição continua a crescer de dentro, à medida que as pessoas tornam-se cada vez mais sábias para os perigos que o sorrateiro fascismo apresenta.

Nos últimos anos, cresceu o número de protestos nas entradas de casas de show que recebem bandas de metal e neo-folk que foram comprovadamente ou estão supostamente associadas ao fascismo. Protestos contra Death In June surgiram de Portland ao sul da Flórida; um grande grupo de pessoas se manifestou contra Graveland em Montreal, enquanto Satanic Warmaster tiveram que fazer um show secreto em Glasgow; Shows do Blood and Sun foram cancelados no Centro-Oeste, e Marduk foi cancelado em Oakland e protestado em Austin. Enquanto isso, bandas de black metal antifascista como Ancst e Dawn Ray’d estão ganhando notoriedade pela suas rejeições ao sexismo e ao racismo.

Apesar de alguns fãs e jornalistas se queixarem da liberdade de expressão dos músicos, a julgar pelas manifestações crescentes, a cena metal está se tornando cada vez mais consciente, não apenas pela segurança de seus próprios membros, mas também pelo seu papel em ou abater as chamas do renascimento fascista global, ou ajudar a colocá-los fora da cena.

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* Alexander Reid Ross é professor na Universidade Estadual de Portland, o editor de ‘Grabbing Back: Essays Against the Global Land Grab’ e o autor do novo livro ‘Against the Fascist Creep’ (AK Press). Seu livro traça as atuais e muitas vezes disfarçadas formas de extremismo de direita durante as décadas e em todo o mundo para mostrar como a infiltração é um programa consciente e clandestino para grupos neofascistas que procuram se envolver e enfraquecer tanto o mainstream como os novos movimentos sociais da esquerda.

Tradução | Glauber Néspoli

Link original |  https://noisey.vice.com/en_ca/article/mbbg9p/a-brief-but-very-informative-history-of-how-fascists-infiltrated-punk-and-metal