Neste trecho de entrevista, Linguiça (Vitória/ES) fala sobre o surgimento das movimentações anarcopunks no Espírito Santo, as ações anti-militaristas realizadas no período, e o contexto já bem politizado que ia surgindo na cena punk desde inícios dos anos 90.
Para ampliar as informações sobre a cena anarcopunk no ES, segue abaixo um pequeno trecho do texto “BREVE HISTÓRICO SOBRE O MOVIMENTO ANARQUISTA NO ESPÍRITO SANTO”, escrito por Linguiça, Renê, Luciano e Netinho (MAP e Grupo Motim de Teatro) entre 2004 e 200:7
Na Grande Vitória, nos anos 80, bandas Punks despontam, principalmente, na periferia de seus municípios. Estas bandas, formadas por bandos de garotos que se identificavam com o ideal libertário, somam forças com o movimento anarquista capixaba, contribuindo para divulgação direta das idéias emancipatórias e modos de organização. É nesta época que ocorrem várias apresentações destas bandas como uma na escadaria do restaurante universitário, onde uma horda, ou melhor, uma corja que não era suburbana (Corja Suburbana, banda de Goiabeiras que integrara as fileiras do movimento na cidade desde seu início) polgava ao som do Ferida Exposta – um trio também da vizinhança. Apresentam-se em espaços alternativos às casas de espetáculos e conferiam às suas letras um caráter de desabafo ou carga ideológica, através de senso crítico, propondo rebelião política.
Os produtos indigestos, desta fase de produção cultural estéril que tomava conta da cidade, vinham de todos os lados para reunirem-se não só nos bairros, mas no bar do Socó, em frente à UFES. Lá se juntava a moçada de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra. O movimento punk com a máxima do “faça você mesmo” vai tomando e criando suas próprias publicações (fanzines), seus próprios selos, bandas e seu modo de repensar a vida.
A Praça Costa Pereira recebe, em dezembro de 1986, músicos que participam de um “Alto Natalino” promovido pelo projeto Cidade Utópica. Tocam as bandas de punk Detrito Federal (DF) e Necrófago (ES).
Em 1987, no primeiro FEST UFES de música, enquanto a cidade dormia, o Corja, o Ferida, o Discórdia e o Guerrilha (hoje Zoopatia) mantinham acordados todos os que percebiam a crescente domesticação e apatia produzida pelo famigerado sistema politico-cultural reinante na cidade e no Estado.
No bairro São Pedro I, em 88, apresentam-se as bandas Ferida Exposta e ONP (que antes era Guerrilha e agora é Zoopatia) em apoio ao Projeto Escola de Formação de Mão-de-Obra destinado a operários da construção civil. Projeto que teve como objetivo instrumentalizar os moradores para que estes construíssem suas casas e realizassem coletivamente o processo de urbanização de seu bairro, na época, um dos mais carentes do estado. Nessa mesma época, ocorre o Festival “Ode aos Canalhas”, realizado no Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, e também se organizam, neste período, vários grupos libertários como os Anarcopunks, os Punks do Subúrbio e os Punks do Motim.
Mídias e modos independentes – as organizações libertárias
O final dos anos oitenta marcam o surgimento da mais nova célula do anarquismo no Espírito Santo. Deixando para trás o então desconhecido movimento dos anarco-sidicalistas do Sul do Estado. Este novo vulcão de revolta vinha como febre, rompendo barreiras e cruzando fronteiras. Este movimento que trouxe de volta a contestação, rebeldia e revolta às ruas: este era e ainda é uma das mais novas células do anarquismo atual, o Movimento Anarcopunk.
Foi também nos anos 90 que o anarquismo capixaba começa o intercâmbio com outros estados. O movimento “Outros 500” só foi possível devido aos vários contatos que já vinha sendo estabelecido através de Encontros e Congressos nacionais, onde anarcos capixabas estavam presentes, tais como: Congressos da UNE, Encontro Anarco-Libertário (Belo Horizonte, 1990 e 1993), Vira-que-eu-vi 2000 (Encontro Latino-Americano de Teatro, Nova Venécia – ES, 1995), Encontro Americano pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo (Belém, 1999), Encontro Internacional de Cultura-Libertária (Desderro – SC, 2000), Várias Manifestações em Brasília, Encontros Alternativo Nacional e Internacional de Esperanto, para citar alguns exemplos.
A partir de indivíduos dentro do Movimento Punk que procuravam uma ideologia mais afinada com as realidades sociais, estavam cansados de apenas ouvirem “músicas de protesto” e se envolverem em confusões, surgiu o MAP Vitória, cuja característica foi adotar o anarquismo como proposta de organização social. Antes do MAP houve um período desses cânceres que permearam o movimento Punk em todo o Brasil: gangues, brigas de rua, confusões, etc. Hoje, praticamente, extinta estas práticas.
O primeiro informativo deste grupo saiu em 1987 e se chamava VAP (Vitória AnarcoPunk). O segundo saiu apenas em 1991. Neles haviam textos criticando os sindicatos pelegos, ecológicos, anti-militar e também explicando a origem do nome VAP, “Não significa que Vitória é uma cidade punk ou anarquista (…) e nem é uma homenagem a cidade (…) mas a vitória que almejamos, da liberdade (…) do indivíduo”.
Outros importantes zines surgiam nessa época. Entre eles os que sobreviveram por mais tempo foram o “Deixem-nos Falar” (5 anos), “Causas Para o Alarme” (10 anos, 8 números com até 38 páginas, sobrevivendo até hoje), “Bateria Mental” (todos da Grande-Vitória). Atualmente existem outros como “O Individualista” (Vila Velha), “Enbófia” e “Poesias Malditas” (Aracruz), “Punks do Kaos”. Além de zines espalhados por Iúna (Sul do estado) e Colatina. Cachoeiro também teve muitas influências dos punks nos anos noventa.
A primeira manifestação anti-militar realizada no Estado foi em 1989, durante o desfile de 7 de setembro, pelos punks. Esta manifestação recebeu destaque num dos principais jornais do estado, muito antes da igreja e da esquerda pelega institucionalizar o “Dia do Excluído”, ou melhor, dos incluídos. Em 1990 ajuda a organizar e participa da primeira manifestação pelo dia da Terra, na Curva da Jurema; Entre 1990 e 1993 foram distribuídos mais de 10.000 adesivos, impressos por computador! (graças a contatos secretos com funcionário de uma empresa de telefonia) e panfletos contra o serviço militar obrigatório; Em 1994 surge um novo movimento de aglutinação libertária, o Grupo Motim. Dele participavam os Punks do Motim, diversas bandas punks e artistas. O objetivo era organizar os diversos grupos libertários dispersos na Grande-Vitória para realizarmos atividades contra-culturais, eventos libertários, teatro, entre outros. Um dos seus legados foi a criação do Grupo Motim de Teatro, que está ativo até hoje, fazendo apresentações de peças anarquistas em diversas cidades e comunidades carentes, inclusive fora do ES. Desse movimento também surge o MAC (Movimento de Arte Capixaba), cujo objetivo era questionar os cartéis culturais capixabas. No entanto, por ironia, este último não durou muito pois alguns dos seus membros vieram também a participar do cartel cultural.
O 1º de Maio, um ato que sempre vem sendo realizado, é a manifestação que mais gera conflitos com a esquerda institucionalizada. As festas da esquerda são questionadas e o Grupo Motim já até apresentou no palanque da CUT, onde causou um grande choque, em 1996.
Em 1999, juntamente com o movimento de estudantes autônomos, o movimento Hip-Hop, Movimento de Mulheres e Sem Tetos, entre outros, os anarquistas e Anarcopunks ajudam a organizar a manifestação Outros 500. Sem participação dos sindicatos pelegos organizam o Encontro Estadual Outros 500. Desse movimento surge 2 atos em Vitória contra os famosos “Relógio da Globo”, onde uma pessoa foi presa e várias agredidas pela polícia. O relógio foi pichado e apedrejado. Ato divulgado na imprensa local, A Tribuna, 7/02/2000. Depois foi organizado ônibus para a manifestação em Porto Seguro, em 22/04/2000.