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[O jornalista Mumia Abu-Jamal continua preso no corredor da morte há quase 30 anos. Em 29 de agosto de 2010, a representante dos Repórteres sem Fronteiras em Washington DC, Clothilde Le Coz, o entrevistou no locutório número 17 da prisão da Pensilvânia, em Waynesburg, Condado de Greene.]
Pergunta > Como jornalista preso, de que tratam suas últimas observações e investigações?
Mumia Abu-Jamal < A população prisional estadunidense é a mais importante no mundo. Este ano, pela primeira vez em 38 anos, se reduziu. Algumas prisões como na Califórnia ou Michigan aceitam menos presos dado que estão super povoadas. Os financiamentos dos Estados são limitados e se libera alguns presos em função da situação econômica. Nos Estados Unidos, as prisões são grandes e o número de presos é imenso.
É impressionante ver quanto dinheiro o governo estadunidense gasta com tudo isto e até que ponto somos invisíveis. Ninguém o sabe. A maioria da população não se interessa pelo tema. Quando ocorre qualquer drama na prisão, alguns jornalistas dizem e acreditam que sabem de quem estão falando. Mas não é fiel a realidade: é puro sensacionalismo. Podem ser encontrados bons artigos, mas não refletem o que ocorre realmente. O que escrevo é o que tenho visto com meus próprios olhos e o que tem me sido dito. É verídico.
Meus artigos falam da realidade. Fundamentalmente, tratam todos do corredor da morte e da prisão. Eu gostaria que não fosse assim. Faz um ano e meio que estão ocorrendo uma série de suicídios entre os condenados a morte. Dei a informação com exclusividade sobre um suicídio porque ocorreu em meu bloco. Mas segue sendo invisível. Necessito escrever. Há milhões de histórias para contar e personagens excepcionais aqui. Entre as que decidi contar, elejo as mais importantes, comovedoras, frágeis… Decido escrevê-las, mas deve-se ter certa responsabilidade quando se conta este tipo de histórias. Espero que possam mudar o curso das coisas para as pessoas das quais eu falo.
Pergunta > Acredita que o fato de ser jornalista tem influenciado o curso de seu caso?
Mumia < Ser “A Voz dos sem voz” influiu de forma considerável. Na realidade, esta expressão foi tirada de um artigo do Philadelphia Inquirer publicado depois de minha detenção em 1981. Quando era adolescente, era um jornalista radical que trabalhava para a edição nacional do jornal dos Black Panthers. O FBI vigiava minhas publicações desde que tinha 14 anos. Ser jornalista foi meu primeiro trabalho. Sou muito mais famoso que outros detidos nos Estados Unidos pelo que escrevo. Se a situação fosse distinta, o tribunal federal de apelações quem sabe não haveria criado uma lei especial que influísse diretamente sobre minha condenação.
A maioria dos homens e das mulheres que se encontram no corredor da morte não são famosos. O fato de que siga escrevendo deve de ser algo que os juízes levaram em consideração e pelo qual mudaram a lei para que não me pudessem julgar novamente.
Creio que pensavam: “Tu és um falador, não terás outro julgamento”. Se espera algo mais de um tribunal federal. E agora, por culpa de meu caso, outros doze podem ser prejudicados.
Pergunta > O que pensas da cobertura midiática de seu caso?
Mumia < Um dia li que já não estava no corredor da morte. Enquanto o lia, estava sentado aqui. Não saí nunca deste corredor, nem um segundo. Como sou do mesmo âmbito, muitos jornalistas não queriam cobrir meu caso por medo de que os criticassem. Tinham que se enfrentar das críticas segundo as que haviam sido parciais e às vezes seus redatores chefes os proibiam de cobrir o caso. Desde o princípio do mesmo, aos mais suscetíveis de cobri-lo, foi se proibido de fazê-lo. A maioria dos jornalistas com os que trabalhei já não exercem a profissão. Estes estão aposentados e ninguém os dá a mínima importância. Mas a imprensa teria que ter certa influência neste assunto. Milhões de pessoas viram o que ocorreu na prisão de Abu Ghraib. Seu diretor, que sorria nas fotos que foram publicadas, trabalhava aqui antes de ir para lá.
No corredor da morte, existem indivíduos sem nenhuma qualificação que podem decidir sobre a vida ou a morte de um detido. Por não sei que motivo, tem o poder de decidir a seu bel prazer se alguém come ou não. E ninguém questiona este poder. Há regras informais. Esses indivíduos podem converter a vida de alguém em um inferno com um simples gesto. Quando escolho as histórias que vou contar, não me falta inspiração nunca. Para um escritor, este é um ambiente rico. Não importa o que dizem meus detratores, sou jornalista. Este país seria muito pior sem jornalistas. Mas para muitos deles, sou um jornalista fora da lei. Antes da prisão, quando trabalhava para várias emissoras de rádio, conheci gente que vinha de todas as partes e apesar dos conflitos com alguns redatores chefes, exercia a profissão mais bonita.
Pergunta > O apoio que lhe tem sido dado na Europa é diferente do que tem nos Estados Unidos. Como explicas e acreditas que a mobilização internacional possa seguir te ajudando?
Mumia < Sim, segue sendo útil. No que diz respeito à pena de morte, a mobilização européia pode ter um impacto nos Estados Unidos. Os países estrangeiros, Europa em particular, estão marcados por uma história peculiar quanto a repressão. Sabem mais profundamente eles o que é a prisão. Sabem o que são a prisão, o corredor da morte e os campos de concentração. Nos Estados Unidos, pouca gente viveu esta experiência. Explica como as diferentes culturas aprendem o mundo. Na Europa, a idéia da pena de morte é um anátema.
O 11 de setembro de 2001 mudou muitas coisas nos Estados Unidos. Os opositores ao poder, os que discutiam sua legitimidade já não tem mais importância. Também mudou a imprensa. O que era aceitável chegou a ser inadmissível. Creio que o 11 de setembro modificou as formas de pensar na opinião pública e também os limites de tolerância dos meios de comunicação. Por exemplo, quando estavam ocorrendo os fatos do 11 de setembro em Manhattan e em Washington DC, a prisão fechou durante o dia inteiro aqui, na Pensilvânia. E estávamos totalmente isolados.
Pergunta > Para obter apoio, seria útil ter uma foto sua, atualmente, neste corredor da morte. O que você acha?
Mumia < Ter uma imagem pública só ajuda em parte. A essência de uma imagem é a propaganda. Assim que as fotos não são tão importantes. O que conta é a personalidade. E faço tudo o que posso. Em 1986, as autoridades penitenciarias confiscaram os gravadores dos jornalistas e só podiam ter um papel e uma caneta na mão. Agora que um artigo é o único vetor para lhe dar algum sentido à situação, o seu autor pode convertê-lo em um monstro ou em um modelo.
Pergunta > Se a Corte Suprema aceitar em lhe conceder um novo julgamento, só se revisaria sua pena e não sua condenação. Como imagina o fato de seguir em prisão perpétua se não lhe executarem?
Mumia < Na Pensilvânia, a prisão perpétua é uma execução em fogo lento. Segundo a lei do Estado, existem três graus de assassinatos. O primeiro se castiga com prisão perpétua ou pena de morte. O segundo e o terceiro grau com prisão perpétua. Não se sai daqui. E nesta prisão, temos a taxa de condenação juvenil à prisão perpétua mais elevada dos Estados Unidos. Mas eu gostaria de acrescentar que na Filadélfia, ocorreram dois casos na mesma época que o meu nos quais as pessoas foram julgadas pelo assassinato de um policial. A do primeiro caso foi absolvida. A segunda, ainda que tenha sido gravada com uma câmara de vigilância, não foi condenada a morte.
Pergunta > E como consegue “fugir” deste lugar?
Mumia < Eu escrevi sobre História, uma das minhas paixões. Eu gostaria muito de escrever a respeito de outras coisas. Meus últimos trabalhos tratam da guerra, mas também escrevo sobre cultura e música. Tenho um tempo interior que tento manter através da poesia e da percussão. Poucas coisas podem ser comparadas com o prazer que sinto aprendendo música. É como aprender um novo idioma. E constantemente eu me desafio a escrever em outro idioma! Uma professora de música vem aqui a cada semana e me ensina. Um mundo novo se oferece a mim e agora o conheço um pouco mais. A música é uma das coisas mais bonitas que o ser humano já criou. O melhor de nossas vidas.
Tradução > Juvei
agência de notícias anarquistas-ana
Ruídos nas ramas.
Trêmulo, meu coração detem-se
e chora na noite…
Matsuo Bashô