Nem todo skinhead é necessariamente um apoiador do nazismo enquanto ideologia. Porém, muitos compartilham de determinados valores difundidos pelos intelectuais da suástica. Por Jefferson Rodrigues Barbosa
Fonte: http://passapalavra.info/?p=6041
O caráter atípico da extrema direita internacional é um novo problema para a realização de políticas públicas de combate ao racismo e as diversas formas de preconceito racial.
Uma questão divide extremistas de direita históricos e extremistas de direita modernos: os primeiros guardam total lealdade às experiências da primeira metade do século XX, como o fascismo, nazismo e, no caso brasileiro, o integralismo, os segundos opõem-se aos tradicionais, pois, consideram prejudicial a identificação de suas propostas com os modelos ideológicos e organizacionais estigmatizados pelos desdobramentos da segunda guerra mundial.
Para os membros desta vertente da extrema direita moderna, os indivíduos em sociedade são definidos pelo sentimento de pertencimento a comunidades culturais específicas, relativamente fechadas, que dão sentido e valor a sua existência. Daí se originam certas concepções hoje em voga, como o repúdio aos migrantes num discurso impregnado por um sentido específico de lógica territorial.
As organizações em questão são caracterizadas por um discurso fortemente moralizador que sempre focaliza o conteúdo de sua propaganda contra o caráter materialista da vida moderna, referenciando-se a princípios de ordem simbólica como, por exemplo, o pertencimento a uma comunidade étnico-cultural que precisa ser protegida.
Não só na Europa e nos Estados Unidos, mas também na América Latina, os herdeiros da insanidade parecem profundamente divididos entre organizações e militantes extremistas de direita tradicionais e modernos.
Os primeiros, a quem se pode aplicar o prefixo “neo” (fascista ou nazista), insistem na herança histórica de Hitler e Mussolini e em sua simbologia, como uniformes, símbolos e a defesa inalterável e irrefutável dos seus pressupostos ideológicos. Enquanto isso, os segundos se interessam em adaptar suas concepções diante da conjuntura contemporânea, negando a simbologia usada outrora. Porém, no emaranhado dos grupos extremistas de direita contemporâneos, existem aqueles que apregoam o “novo” sem dispersar certos símbolos na afirmação de sua identidade política.
Nesse caso, alguns grupos específicos apresentam-se como “nacional-socialistas”, como é o caso dos skinheads White Power brasileiros; estes encontraram em dois modelos de organização canais para sua militância, seja através de configurações partidárias, seja através de organizações tipificadas no modelo de gangs juvenis.
Em 1985 foi fundado o Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB) por Armando Zanine, antigo oficial da Marinha; a base deste nacionalismo é a construção do que seu fundador denominava de “raça brasileira”, para a qual seriam aceitas pessoas de todas as “raças e religiões”.
O PNSB tentou por várias vezes o seu registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a fim de lançar seus candidatos em eleições, obtendo do TSE rejeição todas as vezes, devido às garantias constitucionais em repúdio a qualquer forma de apologia ao nazismo. Ainda que não tenha sido legalmente registrado, o PNSB contava com militantes em vários estados principalmente do sul e sudeste, mas também em estados do nordeste como Sergipe e Bahia.
A base do pensamento nacional-socialista, nesse sentido, ganhou novos traços e significados históricos e locais; são nacionalistas ferrenhos no sentido político, e se pautam por princípios de caráter distributivista e igualitário, porém restritos nos seus benefícios exclusivamente aos membros de suas comunidades; aí o nacional-socialismo vale apenas para os que compartilham uma espécie de sentimento de pertencimento às comunidades imaginárias, que norteiam as concepções destes grupos.
O PNSB, em específico, na década de 1980 e 1990, teve como principal núcleo de sustentação, segundo referências bibliográficas, os “Carecas”, movimento considerado como desdobramento dos skinheads europeus na busca pela construção de um movimento de “cabeças raspadas” genuinamente nacional.
A internet, como é cada vez mais noticiada pela imprensa, é hoje o novo território de atuação de vários grupos de extrema direita, sendo também o caso das novas gerações de nacional-socialistas brasileiros. No blog nacionalsocialismoemrede (1), por exemplo, os internautas têm acesso a vários vídeos do Youtube sobre a atuação de organizações nacional-socialistas em diversos países.
É também presente na internet o site intitulado Partido Nacional Socialista Brasileiro (2); neste, a utilização da suástica e outros símbolos nazistas é articulada com a propaganda que busca apresentar uma releitura do nacional-socialismo adaptado à realidade brasileira.
No link Ativismo (3) consta um texto intitulado “Leis do Lobo Solitário” (4). Segundo dados do site, o texto foi revisado pela “Diretoria do PNSB” o que coloca em evidência a continuidade da ação deste grupo. Não se sabe, porém, se existe uma relação direta entre antigos e novos militantes do PNSB. No texto do site em questão são colocadas de forma explícita estratégias para que o “lobo solitário” aja com eficiência e discrição nas suas atividades de militante nacional-socialista. Referimos aqui parte do conteúdo presente no site intitulado PNSB, para que os leitores possam tirar reflexões diante do conteúdo velado de estímulo à violência veiculado livremente na internet:
“Qualquer um é capaz de ser um Lobo Solitário. Resistência é um estilo de vida, basta ter perseverança e fé na Revolução Nacional-Socialista. Sucesso e experiência virão com o tempo. Sempre comece aos poucos. Saiba ponderar “custo-benefício”, riscos e objetivos de cada ação. Conhecimento é poder. Aprenda com seus erros e com os erros dos outros. Nunca se apresse ao fazer nada, tempo e planejamento são as chaves do sucesso. Quanto menos um estranho souber, mais seguro e mais chances de sucesso você terá. Mantenha sua boca fechada e seus ouvidos abertos. Nunca confesse nada, ou mesmo diga coisas que você acredite que não venham a comprometer o grupo ou sua ação individual. Qualquer informação é uma arma em potencial na mão do inimigo. Lembre-se das 5 palavras: “NÃO TENHO NADA A DECLARAR!”. Comunicação é algo essencial, mas mantenha suas atividades em segredo, sabendo identificar aqueles dignos de sua confiança. Isso irá te proteger assim como aos outros ativistas. […] Lembre-se, até as menores coisas farão diferença. Nunca deixe nenhum registro de suas atividades que possam te conectar à mesma. Tenha em mente que repetir as atividades na mesma área irá deslocar a atenção possivelmente a você. Quanto mais você mudar suas táticas, mais efetivas elas serão. […] Sem encontros públicos (isso inclui marchas, passeatas) que não possam ser realizados através de outros modos de comunicação (correio, e-mail, internet, Skype, etc.). Apenas se encontre pessoalmente com aqueles que tenham demonstrado merecerem sua confiança, e para isso sempre vale o critério de “indicações”. Desconfie de quem você nunca ouviu falar e de repente mostra interesse pelo movimento, perguntando sobre organização e demais coisas que possam comprometer o todo. Não descartamos a possibilidade de existir uma hora quando pequenas células e Lobos Solitários se envolverão em uma alta estrutura, uma grande organização com grandes líderes. E essa é a propostas no PNSB, em longo prazo. Mas essa hora não é agora e parece estar longe de se realizar, pelo menos feita uma leitura atual da situação. Tenha a consciência de que o seu ativismo pode significar não mais do que a preparação para as futuras gerações – “manter acesa a chama do NS” – e que isso de forma alguma representa um fator de desânimo para o militante. Não queira ser o próximo Führer ou nutra qualquer tipo de sentimento de megalomania: tenha os “pés nos chão” e saiba que a grande vitória só é alcançada através da ação consciente e abnegada de outros Lobos Solitários como você.” (5)
É interessante, diante da diversidade dos grupos de extrema-direita na contemporaneidade, a bricolagem formada pelos herdeiros das ideologias chauvinistas, onde os militantes do PNSB representam apenas um aspecto do retorno à insanidade que marca esses grupos.
Nesse sentido, como desdobramento da cultura política da extrema-direita, é possível a análise comparativa das atuais formas de organização de determinados segmentos skinheads como uma dimensão da generalização da cultura da violência que marca muitas organizações de formação miliciana e valores segregadores. Porém, é importante pontuar que a hipótese de que determinados segmentos skinheads sejam reflexos da cultura política e da ação de movimentos e partidos políticos de extrema-direita não significa que aqui se afirma que todo skinhead é um militante de extrema-direita. Existem algumas diferenciações ideológicas entre aqueles que se apresentam como “cabeças raspadas” e diversas tendências devem ser consideradas quando enfocamos a cultura skinhead como objeto de análise de certas expressões do comportamento político juvenil.
As diferenças entre militantes e organizações que fazem a apologia das concepções ideológicas de Adolf Hitler devem ser destacadas, pois no Brasil e em outros países, nem todo nazista é skinhead, mas os White Power apresentam-se como nazistas também. Muitos militantes das organizações contemporâneas de extrema-direita não têm vínculo ou relação direta e explícita com grupos skins.
Assim, nem todo skinhead ou careca é necessariamente um apoiador do nazismo enquanto ideologia; porém, muitos compartilham de determinados valores difundidos pelos intelectuais da suástica, como evidenciou o estudo de Márcia Costa sobre os “Carecas do Subúrbio” (6), sendo possível a interpretação de que características da cultura skinhead possuem aproximações de uma dimensão de caráter fascista em sua práxis política.
Primeiro é necessário pontuar a origens do movimento skinhead, que surge na Inglaterra no final da década de 1960.
A Inglaterra naquele período era o cenário de muitos grupos juvenis como os rudeboys ou rudies (grupos de migrantes jamaicanos conhecidos por posturas violentas e machistas) e os mods (gangs violentas retratadas no filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick).
Os skinheads surgiram inicialmente como grupo juvenil não racista que freqüentava círculos dos mods (sendo conhecido como hard mods) e dos rudeboys nas festas de ska (gênero musical jamaicano). Eram em sua maioria filhos de operários; se vangloriavam ao afirmarem ser um movimento genuíno de trabalhadores nacionalistas na construção de suas fronteiras de identidade social e territorial. Além do sentimento exacerbado pelo futebol (defesa do território), os primeiros skins articularam a construção de sua identidade social: botas, suspensórios, calças-jeans, como elementos de identificação com a estética dos operários ingleses, assim como utilizaram como marca identitária as cabeças raspadas, em oposição aos hippies, identificados pelos skinheads como cabeludos, usuários de entorpecentes e alienados. Elementos estéticos legados à cultura skin contemporânea.
Fontes bibliográficas apontam que a estética das cabeças raspadas é oriunda também de estratégias para melhor desempenho nas brigas de ruas (não poderiam ser agarrados pelos cabelos) e tem relação também com justificativas relacionadas à idéia de higienização. Nesse sentido, as cabeças raspadas e o fisiculturismo estão articulados à idéia de saúde, força e virilidade, e a conduta moral rígida está articulada à concepção de força moral, sendo possível a interpretação da aproximação destes ideais da cultura skinhead com valores de concepções de eugenia.
A Inglaterra no contexto das primeiras manifestações skinheads recebeu um grande número de imigrantes, sobretudo jamaicanos e paquistaneses que foram inseridos como mão de obra barata. Com a crise econômica da década de 1970, ocasionada pela alta mundial do preço do petróleo, as taxas de desemprego começaram a aumentar e, para muitos ingleses, a situação de desemprego era ocasionada pelos imigrantes que aumentavam a concorrência no mercado de trabalho. Começaram naquele contexto a ocorrer na Inglaterra as primeiras ações violentas de skinheads contra imigrantes que foram acusados e responsabilizados pelo desemprego; soma-se também, aos reflexos da crise econômica, os conflitos entre os skinheads e as culturas juvenis então em voga.
«Tratava-se de uma revolta antiburguesa que reivindicava os valores da comunidade e da solidariedade da classe operária, um fenômeno de banda e de moda em que o racismo estava ausente: os skinheads escutavam duas variantes da música negra, o ska e o steady beat. Depois, no começo dos anos de 1970, ocorreu uma evolução fundamental: os jovens trabalhadores brancos e os jovens negros divergiram musicalmente quando o reggae tornou-se uma música de reivindicação cultural do rastafarianismo. O movimento skinhead (inglês) cessa, então, de ser multirracial, e a radicalização ideológica dos skinheads começa: alguns se tornam membros do National Front ou do British Movement, outros engrossam a fila dos hooligans nos estádios de futebol.» (7)
Naquele contexto, concepções chauvinistas (nacionalismo radical) e xenófobas (aversão ao estrangeiro) começaram a fazer parte dos valores defendidos pelos skinheads, alterando a configuração ideológica dos primeiros skins. Começavam, assim, a aparecer os primeiros sinais da inclinação de determinados segmentos desta cultura urbana juvenil para as estratégias racistas e violentas como afirmação de sua identidade enquanto grupo social.
Na década de 1980 ocorre um segundo momento na construção da identidade skinhead, a construção de uma identidade mais politizada e muitos grupos começaram a rearticular e se identificar com propostas de partidos chauvinistas como o National Front (Frente Nacional), partido político inglês defensor de ideais nazistas; ocorre então entre os skins ingleses a inserção de valores relacionados à pureza racial e a necessidade de um espaço vital de uma sociedade sem imigrantes para a construção de uma Inglaterra somente para os ingleses.
A partir daquele contexto, a constante pressão da mídia acerca da infiltração do preconceito racial dentro de grupos skinheads resultou no surgimento de um maior engajamento político entre os “cabeças raspadas” (tanto à esquerda quanto à direita) resultando na fragmentação em vários submovimentos rivais. Desde então, existem conflitos entre as diversas tendências sobre o legado da cultura skinhead.
Naquele momento, década de 1980, muitas organizações skins passaram a se identificar de forma explícita com idéias nazistas, ganhando visibilidade então a vertente skinhead White Power (ou boneheads, como são chamados pejorativamente dentro da cultura skinhead). Começavam também a aparecer em outros países jovens que assumiram os valores e a estética skinhead, sendo que, nos Estados Unidos, muitas organizações skins estabeleceram vínculos com o Ku Klux Klan (KKK), organização racista atuante desde o final do século XIX conhecida pelo extermínio de negros no sul daquele país.
No Brasil as primeiras organizações skinheads datam também do início da década de 1980, sem vínculo direto com ideais nazistas, oriundas de facções divergentes existentes dentro do movimento punk brasileiro. Logo se organizaram de forma independente, tornando-se inimigos dos punks devido à incompatibilidade ideológica de idéias nacionalistas e conservadoras em oposição aos valores anarquistas (especificamente dos anarcopunks) e as posturas libertárias.
Os primeiros skinheads brasileiros atuavam inicialmente na zona leste da cidade de São Paulo, por esta ser uma região periférica. Essa facção denominou-se “Carecas do Subúrbio”, facção composta por jovens trabalhadores das indústrias e do comércio de São Paulo.
Diante da crise econômica da década de 1980, afetando o mercado de trabalho na área onde surgiu este grupo, os “Carecas do Subúrbio” se propagaram com a afirmação de sua identidade baseada nos pressupostos ideológicos de um “nacionalismo proletário” em repúdio às transformações oriundas da introdução das políticas neoliberais do período.
Para os “carecas do subúrbio”, que posteriormente organizaram-se no Rio de Janeiro e em outras regiões do país também sob a denominação de “Carecas do Brasil”, o movimento não é “nem racista nem fascista”.
As vítimas de agressões são militantes de esquerda, homossexuais, consumidores de entorpecentes, grupos juvenis como roqueiros e punks e, atualmente o recente grupo juvenil denominado “Emo”. São os inimigos mais comuns dos skins. Neste último caso, os “Emos” são identificados pelos skins como gays; a violência ganha justificativas homofóbicas (aversão aos homossexuais) e ações de perseguição e espancamentos de homossexuais tornaram-se uma das marcas mais distintivas dos segmentos homofóbicos entre skinheads de muitos países. Porém é importante ressaltar que também a homofobia não é um elemento compartilhado pelo universo ideológico que orienta todas as tendências de “cabeças raspadas”.
A diferença mais notória entre os diferentes grupos skinheads ocorre entre os grupos que defendem a supremacia branca, os White Power. Para estes, o combate nas ruas tem como principais alvos negros, pessoas portadoras de necessidades especiais, judeus, imigrantes em geral, anarquistas e marxistas. E, no caso brasileiro em especial, a vítima muitas vezes é o migrante nordestino.
Para diferenciar o conjunto de skinheads brasileiros é necessário pontuar que existem facções com diferentes graus de exclusão no espectro político e cultural, como os “Carecas do ABC” que são integralistas. Assim, com o mesmo lema dos seguidores de Plínio Salgado na década de 1930, os “Carecas do ABC” acreditam na tríade – Deus, Pátria e Família -, entrando em evidência a questão do arcabouço moral embasado em elementos do catolicismo, sendo característica ideológica singular desta facção skinhead.
Os “Carecas do ABC”, enquanto segmento específico no universo skinhead apresentando-se como integralistas, como os denominados “camisas-verdes” da década de 1930, utilizam o mesmo lema – Deus, Pátria, Família -, assim como os militantes do antigo partido integralista, cujo nome era Ação Integralista Brasileira (AIB).
Porém, as ações dos “cabeças raspadas” integralistas evidenciam seus reais valores; como o caso dos dois adolescentes atacados por “Carecas do ABC” em um trem na região metropolitana de São Paulo em 7 de dezembro de 2003. O adolescente, Flávio Augusto do Nascimento Cordeiro, de 16 anos, perdeu o braço direito e Cleiton da Silva Leite, de 20 anos, morreu após traumatismo craniano; ambos trajavam camisetas de bandas de rock e tinham cabelos compridos e foram intimados a pular do trem em movimento para não serem assassinados dentro do vagão pelos skins (8).
Nesse sentido, existem várias facções; nem todos aderem aos mesmos componentes ideológicos, sendo entretanto o chauvinismo a marca identitária maior entre estas três vertentes: os autodenominados anti-racistas, porém conservadores, homofóbicos e violentos (“Carecas do Subúrbio”). Valores estes, também compartilhados pelo conservadorismo dos “carecas integralistas” (“Carecas do ABC”). E somam-se a este mosaico da insanidade os neonazistas e nacional-socialistas (skinheads White Power), marcados pelas características ideológicas do racismo, homofobia e xenofobia.
Todas as vertentes são relativamente organizadas nas grandes cidades em grupos autônomos, sendo os White Power o segmento mais singular, fato que exacerba os antagonismos destes com as demais vertentes. Mas, em cidades do interior onde existem poucos skinheads, ou em eventos musicais, é comum a presença de militantes de grupos diferentes, ocasionando muitas vezes em conflitos ou até mesmo na tolerância momentânea devido ao respeito pela cultura skin. A ambigüidade também marca estas organizações.
Os antagonismos entre as facções skins são ainda mais complexos, levando em consideração o surgimento dos “cabeças raspadas” antifascistas (antifas), potencializando as divergências entre esquerdistas e direitistas, racistas e não-racistas, politizados e apolíticos.
Assim, surgiram os SHARP (Skin Heads Against Racial Prejudice – ”Skinheads Contra o Preconceito Racial”), cujo princípio é ser contra toda forma de discriminação racial e fascismo; apresentam-se como apolíticos. E os RASH (Red and Anarchist Skinheads – “Skinheads Vermelhos e Anarquistas”), que promovem ideologias esquerdistas a princípio como mais uma forma de combate aos White Power. Nesse sentido, estes grupos em específico não se ajustam à conceituação de movimentos de extrema-direita, sendo a argumentação sobre estas vertentes, objeto de análise a ser realizada numa próxima ocasião.
O terceiro momento na construção da identidade skinhead é o final da década de 1980 e início de 1990, com a organização de grupos internacionais como a organização Blood and Honour e a Hammerskin Nation (organização neonazista originária dos EUA atualmente com filiais em vários países).
«É necessário bem compreender que o movimento skinhead não está organizado segundo uma lógica nacional e sim supranacional: há grupos em todos os países da Europa, nos EUA e no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia, assim como na maior parte dos países da América Latina. Eles intercambiam jornais, participam de algumas manifestações comuns e se comunicam pela internet. Além disso, a tecnologia do CD tem permitido a grupos musicais venderem as suas produções a baixo preço e para além das fronteiras do país de que um grupo skin é originário […] o movimento se dividiu, em plano mundial, em várias facções, que concorrem entre si de forma impiedosa: por um lado os Hammerskins, de origem americana, ligados em sua origem aos grupos religiosos neopagãos dos Identity Churches, como o Aryan Nation ou a Igreja do Criador; por outro, o movimento Blood and Honour, de origem britânica, próximo dos neonazistas […]. Entretanto, é na Europa Oriental que o fenômeno tem conhecido crescente inquietude […] .» (9)
No ano de 2005, por exemplo, ocorreram em Portugal grandes manifestações promovidas pela Frente Nacional portuguesa – organização composta também por militantes skinheads que integram a Hammerskin –, seus discursos subordinaram-se a temas contra a criminalidade, a imigração e a entrada da Turquia na União Européia.
O movimento skinhead no início do século XXI é segmentado. Isso deve ser ressaltado para evitarmos generalizações deficitárias. A cultura skinhead é caracterizada por tendências ideológicas distintas onde nem todos são racistas. Porém a utilização da violência é elemento comum entre determinados segmentos skinheads, quando, por exemplo, ocorrem embates entre skins neonazistas e skins antinazistas.
A sugestão para aqueles que negam a veracidade das acusações de práticas violentas realizadas por determinadas facções skinheads é que procurem contato e maiores informações na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo – Brasil, criada para a intervenção nas ações de crimes de caráter racista (10).
E, tratando-se de violência, os boletins de ocorrência em delegacias de polícia de muitas cidades do Brasil e de outros países evidenciam o recurso à brutalidade como marca identitária de vários segmentos que se afirmam como skinheads ou “carecas”. Ressalta-se aqui a referência aos boletins de ocorrência registrados nas delegacias de polícia não de modo a acastelar as forças repressivas do Estado, mas como evidência empírica da violência como marca maior de grande parte destes grupos. Sendo os próprios boletins de ocorrência uma fonte de estudo e de pesquisa para uma análise mais acurada, num contexto onde se busca colocar através de afirmações apologéticas que a imagem da cultura skinhead não pode ser relacionada com as ações de violência, sendo estas, ações de indivíduos ou grupos restritos ou resultado de estigmas popularizados por jornais e telejornais que generalizam a relação skinheads-carecas-violência.
É até possível ponderar que nem todo skinhead pode ser colocado neste bojo. Porém, devemos estar atentos para a acepção que exceções não fogem ao preceito. Afirmação esta que pode ser embasada na verossímil aproximação de contextos e situações que marcaram as vítimas daqueles aqui em discussão, os herdeiros da insanidade, no Brasil e em muitos países. Nesse sentido os boletins policiais são fonte importante de análise.
O acesso aos vídeos do Youtube também possibilita informações de programas jornalísticos sobre os crimes e a atuação de grupos skinheads; e existem vídeos propriamente criados por militantes skins onde estão evidenciados elementos ideológicos que possibilitam a interpretação da aproximação de muitos destes grupos no Brasil com as características ideológicas e organizativas de movimentos e organizações skinheads atuantes em diversos países.
Existem, entretanto, sites e blogues de grupos que pregam a não-violência entre os skinheads. Estes segmentos são minoritários entre os diversos grupos de “cabeças raspadas”.
O fato é que, com a popularização da cultura skinhead em muitos países, jovens cresceram num ambiente de contato contínuo com a estética, as músicas e grupos skins, encarando então a identidade skinhead como manifestação apenas de uma cultura urbana, uma “cultura das ruas”. Porém, analisando as origens da cultura skinhead inglesa a partir do final da década de 1970 e seu desdobramento em certos segmentos skins na atualidade, é pontual ressaltar os vínculos ideológicos existentes entre as práticas de muitas organizações e os valores defendidos há décadas por extremistas de direita: a defesa do território baseado num paradigma chauvinista e xenófobo e a afirmação de suas convicções políticas através da violência contra seus antípodas.
Em artigo sobre a atuação de movimentos de extrema-direita na cidade do Rio de Janeiro (11), um internauta postou comentário crítico da identificação de algumas tendências skinheads ou “carecas” como militantes de extrema-direita que possuem em alguns casos práticas e valores de certa dimensão militarista.
É evidente que a cultura skinhead é multifacetada e existe uma diversidade de tendências. Porém, quando coloco em meu texto a relação da cultura skin contemporânea com elementos de caráter militarista não faço a afirmação que os skins apóiam o militarismo em sentido amplo. Mas que a forma de organização, alguns valores defendidos e alguns elementos estéticos têm relação com aspectos da cultura militar.
São eles: (1) A preparação física e o treinamento constante, pois argumenta-se na cultura skin que os mesmos são guerreiros urbanos. A preparação para o combate através do aprendizado de táticas de confronto, como o conhecimento de esportes de contato e, em alguns casos, a utilização de armas brancas ou de fogo (como fica evidente através de boletins policiais que flagraram o porte de armas por determinados skins não só no Brasil mas também em outros países. (2) A forma de organização de alguns segmentos skins que também remete ao modelo organizacional militar. Exemplo: o livro de Márcia Regina Costa, Carecas do Subúrbio, caminhos de um nomadismo moderno, foi elaborado através de várias entrevistas com “carecas do subúrbio e do ABC” (adaptação brasileira do modelo skinhead europeu buscando criar uma identidade integralista para o movimento dos “Carecas”). No livro, vários militantes entrevistados relatam que os mesmos articularam uma hierarquia com direito a soldados e generais entre seus componentes; a autora constatou que muitos carecas do subúrbio afirmaram que “um dia teriam um exército de carecas para salvar o Brasil.”. (3) Os White Power são renegados e perseguidos por segmentos skin não nazistas, como é do conhecimento de muitas pessoas, mas muitos White Power se apresentam como skinheads (inclusive afirmando que eles são os herdeiros mais legítimos dos skin ingleses, marcados fortemente pela ideologia nazista do National Front). (4) Remeter aos valores dos primeiros skinheads que não eram racistas é um fato que não contraria a veracidade da violência que marca muitos segmentos skinheads na atualidade.
Os militantes de organizações portadoras de ideologias de extrema-direita apresentam em sua práxis política a afirmação dos valores conservadores de princípios de conduta social, sexual e familiar, o repúdio das concepções políticas igualitárias e, elemento distintivo maior, o chauvinismo como paradigma político. Estes valores norteiam, por exemplo, os “Carecas do ABC” e “Carecas do Subúrbio” em suas ações de violência contra punks, roqueiros, homossexuais, emos e, no embate político direto, marxistas ou anarquistas. Já o paradigma racial de cunho nazista está presente em neonazistas e nacional-socialistas.
Os fenômenos políticos das manifestações contemporâneas de extrema-direita representam bricolagens que precisam ser analisadas através de fontes de pesquisa diversas, para considerar os elementos comuns e as diferenciações presentes entre skinheads e grupos políticos da extrema-direita tradicional e contemporânea, marcados pelos seus caracteres atípicos em relação às formas de organização e pressupostos ideológicos dos grupos chauvinistas tradicionais, herdeiros da insanidade das antigas “Potências do Eixo”.
Como busquei apontar, a atuação dos movimentos e partidos políticos de extrema-direita é complexa; estes estão atuantes desde o início do século XX, em diversos países, ganhando configurações e perfis distintos em cada época histórica. E esses diversos grupos podem atuar somente na sociedade civil, como é o caso das gangs skinheads, ou através de grupos políticos institucionalizados como associações civis, sem registro partidário, como os grupos integralistas contemporâneos ou como, até há pouco tempo, os nacional-socialistas brasileiros do PNSB.
Outra dimensão são as organizações que atuam ou atuavam até recentemente nas instituições representativas. Um exemplo é o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA) que já elegeu diversos deputados federais e estaduais no Brasil e colocou Enéas Carneiro em 1989 como o terceiro candidato mais votado na primeira eleição presidencial após mais de vinte anos de ditadura militar.
Na Europa o caso mais notório é o do Partido Nacional Renovador de Portugal e a Frente Nacional da França, esta popularizada por Jean-Marie Le Pen. Porém, o que une essas diversas manifestações políticas é o discurso por uma ordem social estabelecida em critérios morais e de higienização social sob as bandeiras do nacionalismo chauvinista, do anticomunismo, do antiliberalismo e da intolerância, em oposição àqueles que não compartilham com seus valores.
A internet apresenta-se hoje como a principal ferramenta dos movimentos e partidos de extrema direita em diversos países, sendo este um fenômeno político não singular ou pretérito, mas um objeto de reflexão para as questões de políticas públicas de segurança e políticas públicas de educação. Problema não somente brasileiro, a ausência de regulamentações mais rígidas e explícitas sobre conteúdos relacionados aos estímulos a violência e ao preconceito, presente nos sites dos diferentes grupos de extrema direita, como os sites de determinados grupos skinheads, apresenta-se às populações urbanas como fator de risco social, organizando militantes através de canais de apologia à insanidade.
Os conteúdos veiculados nos canais polifônicos da mídia são estradas parcimoniosas também por onde marcham ideólogos e militantes de ação.
(1) Disponível em: http://nacionalsocialismoemrede.blogspot.com/ Data de acesso: 14 de maio de 2009.
(2) Disponível em: http://nacional-socialismo.com/ Data de acesso: 14 de maio de 2009.
(3) Disponível em: http://nacional-socialismo.com/Ativismo.htm Data de acesso: 14 de maio de 2009.
(4) Disponível em: http://nacional-socialismo.com/LoboSolitario.htm Data de acesso: 04 de junho de 2009.
(5) Disponível em: http://nacional-socialismo.com/LoboSolitario.htm Data de acesso: 14 de maio de 2009.
(6) COSTA, Márcia Regina. Os “Carecas do Subúrbio”: caminhos de um nomadismo moderno. RJ, Editora Vozes, 1993.
(7) CAMUS, Jean-Yves. Skinheads. In: Silva, F. C. (org.) Dicionário Crítico do Pensamento da Direita. RJ: FAPERJ. MAUAD, 2000, p. 420.
(8) Dísponivel em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u87054.shtml Data de acesso: 04/06/2009.
(9) CAMUS, Jean-Yves. Skinheads. In: Silva. (org.) Dicionário Crítico do Pensamento da Direita. RJ: FAPERJ. MAUAD, 2000, p. 420.
(10) As denúncias de crimes raciais e de intolerância poderão ser encaminhadas através dos seguintes meios: Telefone/Fax (11) 33113555 ou (11) 33113556 ou pelo e-mail delitosintolerancia@ig.com.br. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância fica na cidade de São Paulo e seu endereço pode ser buscado também na internet.
(11) Disponível em: http://passapalavra.info/?p=107. Data de acesso: 20 de maio de 2009.