Greve Geral de 1917 no Brasil – por Adriana Caló

No dia 09 de julho de 1917, na porta da fábrica Mariângela, no bairro do Brás em São Paulo, uma bala disparada pelas forças opressoras atinge o sapateiro anarquista José Martinez, servindo de alavanca para impulsionar a primeira Greve Geral no Brasil.

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No início do século XX, a cidade de São Paulo estava em processo de urbanização e se transformava em um grande centro industrial e urbano. Os imigrantes chegavam, trazendo consigo o embrião libertário, em grande escala e buscavam empregos nas fábricas existentes.

Nascia assim a burguesia industrial, e uma nova classe social, o proletariado urbano, que era composto em grande maioria por imigrantes. Dentre estes imigrantes havia um grupo que teve maior destaque: os Anarquistas. E vieram com eles todas as questões de preconceitos, desinformações e rótulos sobre suas ideologias, causas e métodos. “Os anarquistas carregava a má fama de indivíduos “perigosos”. Essa aura negativa foi criada pelos governantes para denegrir a imagem dos que pregavam a destruição da sociedade capitalista, através da ação direta e revolucionária, como a única maneira de dar cabo às injustiças sociais, mas que, ao mesmo tempo, proponham a construção de uma nova sociedade, a Anarquia, na qual existiria a liberdade plena, sem estorvos, a igualdade de direito para todos e a vida social seria regida pelo princípio da solidariedade.” (LOPREATO, 1996, p.3).

Os reflexos da Primeira Guerra (1914-1918) abalaram enormemente a vida dos trabalhadores. A alta do custo de vida alastra a miséria e a fome, devido ao desemprego, baixos salários e a exploração da mão de obra de trabalho infantil e feminino.

Aos poucos os ideais anarquistas ganharam novos adeptos, entre eles Edgard Frederico Leuenroth, tipógrafo, o qual fundou o primeiro jornal anarquista de São Paulo “Terra Livre” e depois “A Lanterna”. E em junho de 1917 funda o jornal “A Plebe”, fazendo com que este se tornasse o veículo porta-voz das reivindicações operárias. Essa propaganda libertária aliada aos métodos de ação direta, produziu na classe trabalhadora urbana uma nova consciência e com isso, os sindicatos, associações de classes e ligas operárias começaram a fazer parte do cotidiano dos trabalhadores paulistas. As Ligas darão origem aos Sindicatos.

Edgard-Leuenroth-anarquista.jpg Edgard Leuenroth

É devido ressaltar que as condições de trabalho nas indústrias e oficinas paulistanas eram precárias. Os acidentes eram comuns, mutilações eram frequentes. Muitos operários ficavam doentes devido à insalubridade e trabalhos excessivos. “As fachadas suntuosas das fábricas ocultavam a torpe realidade do seu interior onde escasseavam o ar e a luz e abundavam resíduos, detritos e poeira.” (LOPREATO, 1996, p.71)

No início de 1917 as reivindicações aumentam, “A carestia do indispensável a subsistência do povo trabalhador tinha como aliada a insuficiência dos ganhos; a possibilidade normal de legítimas reivindicações, de indispensáveis melhorias de situação esbarrava com a sistemática reação policial; as organizações dos trabalhadores eram constantemente assaltadas impedidas de funcionar; os postos policiais superlotavam-se de operários cuja as residências eram invadidas e devastadas; qualquer tentativa de reunião de trabalhadores provocava a intervenção brutal da polícia. A reação imperava nas mais odiosas modalidades. O ambiente proletário era de incertezas, de sobressaltos, de angústias. A situação tornava-se insustentável.” (Excerto da edição nº17 do jornal Dealbar, dez 1968. In: LEUENROTH, 2016, p.64)

O Cotonifício Rodolfo Crespi, fundado em 1897 pelo italiano Rodolfo Crespi, foi uma das primeiras indústrias a receberam energia elétrica e contava com grande número de operários. “O Cotonifício Crespi, grande empresa de fiação e tecelagem de algodão com mais de 2000 trabalhadores, desde 1917 é o centro de prolongados atritos. Em 9 de junho surge uma resolução patronal de prolongar o serviço noturno, mal recebida pelos trabalhadores, que respondem não aceitando prolongamento e exigindo um aumento de 15 a 20%. Em seguida, uma sessão da fábrica, de 400 operários, entra em greve e as reivindicações se ampliam.” (DECCA, 2016, p.87)

Em junho ocorreu uma reunião na União dos Operários de Fábricas de Tecidos na Liga dos Operários da Mooca, onde reivindicavam 25% de aumento para os trabalhadores do Cotonifício Crespi. Com a recusa de Rodolfo Crespi os trabalhadores fizeram várias manifestações, impulsionaram boicotes e entraram em greve. “Estas ‘manifestações da ação direta’, como o boicote, o ataque aos instrumentos de produção, o roubo, a recusa a dar o rendimento exigido pelos patrões através do freio à produção, permitiriam associar o conjunto dos trabalhadores, uni-los na transformação de sua condição social, sem ter que passar pela mediação de um organismo burocrático constituído por um reduzido número de pessoas.” (RAGO, 2014, p.45). Outras fábricas, até mesmo no interior, aderiram à greve dos tecelões. Em São Paulo, a tecelagem Mariângela, fundada em 1904 por Francesco Matarazzo, localizada no bairro do Brás, entrou em greve em solidariedade aos grevistas do Cotonifício Crespi. A propaganda sobre a Greve Geral intensificou-se no mês de julho e rapidamente a cidade passou a ser fortemente patrulhada nas portas das fábricas, onde forças policiais impediam aproximação dos grevistas.

O dia 9 de julho marcou o início de uma semana turbulenta. Nas portas das fábricas muitos operários se manifestavam em greve. Policiais e grevistas entraram em choque nas imediações da fábrica de bebidas Antárctica.

O tumulto era grande, e neste mesmo dia na porta da fábrica Mariângela, uma bala disparada pelas forças opressoras em confronto com os grevistas, atingiu o sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos, militante anarquista da Federação Operária de São Paulo, vinculada à Confederação Operária Brasileira – COB, que foi internado na Santa Casa, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu no dia 10.

Em 10 de julho de 1917 após os jornais paulistanos divulgaram o falecimento de Martinez, uma multidão se formou em frente sua casa a espera do funeral. “Quando a população tomou conhecimento, houve uma revolta geral. O enterro foi no dia 11, foi feita uma convocação para parar tudo e ir ao enterro. A polícia se assustou e começou a tomar uma série de providências. Na saída do enterro, Rua Caetano Pinto, a polícia se posicionou em frente à casa do operário para impedir qualquer manifestação, mas a multidão era muito grande e isso não foi possível.” (CUBERO, 2016, p.77)

greve.jpg Foto funeral: A Plebe, n° 006, 21 de julho de 1917. Disponível aqui.

“Por volta das 8h30, o corpo de José Ignácio Martinez deixou a casa de seu seus familiares. Um imenso cortejo fúnebre pôs-se em movimento. A comissão de frente, formada por um grupo de mulheres, carregavam bandeiras vermelhas e o estandarte do Centro Libertário de São Paulo.” (LOPREATO, 1996, p. 21)

jornal.jpg Foto montagem – A Plebe, n° 006, 21 de julho de 1917. Disponível aqui.

repressao-a-grevistas-aumentou-a-adesao-de-trabalhadores-a-paralisacao-diz-historiador-1493386579013_615x300.jpg Acervo: Arquivo Edgard Leuenroth

Neste contexto, o sentimento de que algo deveria ser feito para acabar com a exploração começou a aflorar no proletariado e essas manifestações ganham corpo, a fim de enfrentarem as grandes discrepâncias sociais, que culminou na Greve Geral de 1917, a greve mais expressiva até então, Primeira Greve Geral do Brasil. Esta tornou-se vitoriosa, e fez com que os trabalhadores se reconhecem como força e também foram reconhecidos como tal.

Devemos ressaltar que, perante a imensa concentração de riquezas que sempre esteve (e está) nas mãos das elites, as greves são importantes e necessários meios de protesto por melhores condições, o que de fato deveria ser por igualdade, mas na sociedade capitalista em que vivemos sabemos que é impossível. E as greves que primeiramente eram consideradas delitos, depois liberdade e somente depois de anos reconhecida como direito, faz com que a classe operária resista e se fortaleça.

Para concluir, vemos que a Greve de 1917, liderada pelos anarquistas, foi o estopim para que a conscientização dos direitos trabalhistas fizesse parte da rotina do proletariado brasileiro, que se estende até hoje cada qual em sua categoria. No entanto, como são reivindicações que, geralmente, vão contra os interesses dos patrões, os operários identificaram que nem todos estavam combatendo ao lado deles revelando “um novo inimigo a ser enfrentado pelos trabalhadores em greve: a polícia.” (LOPREATO, 1996, p. 112).

Referências Bibliográficas:

CUBERO, Jaime; DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo; RAGO, Margareth. As Greves de 1917 em São Paulo: História e Cotidiano. In: LEUENROTH, Edgard. O Movimento Operário: A Greve de 1917. São Paulo: Centro de Cultura Social, 2016

LEUENROTH, Edgard. O Movimento Operário: A Greve de 1917. São Paulo: Centro de Cultura Social, 2016

LOPREATO, Christina da Silva Roquette. O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. 1996. 273f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP.

RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890 – 1930). Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 2014