Entrevista | Linguiça, Grupo Motim de Teatro

Anarcopunk.org | Salve mano! Pra começar, conte sobre como está a movida no Espírito Santo atualmente, o que tem rolado, coletivos, projetos e iniciativas por aí…

Linguiça | Bom dia a todxs do movimento anarc@ punk mundial, sou o Paulo Henrique (Linguiça) aqui de Cariacica ES, Brasil, valeu pelo espaço! Além de coisas pontuais, de ações realizadas por indivídu@s e algumas bandas, no geral temos uma articulação enquanto movimento Anarc@ Punk bem tímida e pouco potente atualmente. Recentemente tentamos reforçar a militância libertária AP e afins com a organização de um encontro a nível IAP mas infelizmente deu ruim e na minha avaliação foi uma “bola nas costas” mas respeitamos a opinião dxs demais companheirxs… Aqui no ES tem pintado muitos coletivos mas não AP, libertários ou anarquistas. Pior… muita “gente boa” de discursos oportunistas para captar recursos e se promover à custa alheia da catástrofe social, tirando raríssimas exceções… Estamos com um projeto em execução que é formação por atores e atrizes num curso de iniciação teatral na comunidade do bairro Oriente, Cariacica, com o grupo Motim de teatro protagonizando esta atividade e também criando um coletivo cineclubista na linha ambiental. Está rolando o coletivo de cultura contemporânea “Cariacica Underground” onde cola bastante gente e rola várias ideias… é tudo muito novo mas se canalizamos as coisas num foco da resistência pode dar “samba”. Este foi criado por minha pessoa e fui agregando com o Jaques Zoopatia no watsapp – hoje temos mais de 30 no grupo e estamos indo para cima da administração pública, nos organizando como representantes da cultura de rua no conselho cultural local para reivindicar a nossa fatia de direito que é promover e fortalecer a cultura de rua e também na área de direitos humanos… Também, estamos nos articulando na criação de uma associação cultural de amigos do centro cultural, mais uma vez representando o underground, mas ainda é recente.

Anarcopunk.org | Você está envolvido a muitos anos com o teatro, seja com o Grupo Motim, seja em outros projetos. Fale um pouco dessa caminhada toda!

Linguiça | Um ganho muito importante que o movimento AP me propiciou foi me relacionar com a cultura, isso fez toda a diferença na minha vida e no meu processo de formação como ser humano, avô, pai e companheiro, e tento retribuir ao movimento através de ações concretas e afirmativas “em dó maior” assumindo em todos os espaços que sou militante AP! E nesta longa caminhada de mais de 23 anos do grupo Motim de teatro os resultados foram muito bons e avalio que poderia ser muito melhor, mas ainda estamos firmes e fortes.

Anarcopunk.org | Qual o potencial que tu vê no teatro como ferramenta e meio de expressão no apoio às lutas em que estamos envolvidxs? Que aprendizados nesse sentido você teve com essas experiências?

Linguiça | O potencial do teatro como ferramenta transformadora é infinito… somos pioneiros aqui no ES com o teatro anarcopunk, que há 23 anos resiste e luta para debater questões sociais com uma linguagem onde o povo se identifique, fugindo do formato “caixa fechada acadêmica” e “agressiva” do punk, mas me refiro ao “punk anos 90” daqui, que era em sua grande maioria mal informado e era praticamente linchado em praça pública, pois nem ele sabia ao certo o que era, e me incluo nesta, kkkkk! Hoje o grupo Motim de teatro tem reconhecimento local, BR à fora e internacional como um grupo contestador e com princípios Anarquistas… acho que outros grupos de teatro na “cena” tinham que acontecer, pois o ganho é bastante gratificante e favorável nas diferentes frentes de luta em que estamos.

O aprendizado maior dessa história toda é que a arte engajada é muito bem-vinda na nossa luta enquanto movimento e sobreviver e viver dela é a utopia sendo realizada diariamente. Como diz o menino no Buzu “poderia tá roubando, poderia tá se prostituindo, poderia ser um político de partido” mais eu sou um artista militante social AP e sou muito grato por isso!

Anarcopunk.org | Quais as principais temáticas que já foram abordadas nas peças do Grupo Motim de Teatro? E como vocês costumam construir as peças?

Linguiça | O primeiro trabalho foi uma esquete chamada “Opera punk”, de minha autoria, que é a transformação de um ser acorrentado, prisioneiro, em um ser que vai se libertando e acaba com as amarras que tanto lhe pressiona. Depois veio a peça “Os sublevados”, inspirada no primeiro livro que li “As veias aberta da America Latina”, do grande Eduardo Galeano, uma comédia/drama que fala do imperialismo dos USA sobre o mundo. A terceira peça foi “Elogio da loucura”, Erasmo de Rotterdam. A quarta peça foi “Pinga pura”, que mostra o drama do alcoolismo no cotidiano de uma família e relata a loucura do homem, a sexualidade e o machismo. Outra foi “Brasil: ontem hoje e amanhã?”, que mostra a luta e a resistência negra de mais de 500 anos no brasil. Depois veio “Alicie no país dos agrotóxicos”. Também criamos peças para outros grupos. Caso da peça “O resgate”, que trata de um trabalho para um grupo de evangélicos, formando o grupo teatral “Fé e arte”, que fala dos vícios das drogas numa ótica bíblica. Nesse trabalho recebemos várias críticas, tanto da igreja como dxs compas, kkkkkk! Mas rolou e não podemos negar, o nosso “diretor” é evangélico, mas sabe separar bem as coisas, e ele é um dos responsáveis diretos pela existência do grupo Motim. A peça “Respeito é bom mais eu gosto” relata a questão da discriminação racial sofrida pelos afro-brasileiros. Em “O decreto de Lampião” também atuamos em parceria com o grupo HB de teatro nas peças Vitor ou vitrola, O jogo do lixo, As aventuras de um adolescentes no trânsito, O direito que faltava, a esquete SIPAT – voltando com segurança para casa e João do volante.

Anarcopunk.org | Em outros momentos existiram diversos grupos anarquistas/punks atuando por meio do teatro em manifestações, eventos e outras atividades pelo Brasil. Que coletivos/grupos libertários tem feito projetos ligados ao teatro atualmente? Você acha que essa linguagem tem sido pouco usada?

Linguiça | Sempre na historia do anarquismo tivemos muita atuação nesse sentido. O teatro contestador foi de muita importância para nossa luta. Atualmente não conheço outros grupos ou coletivos que fazem este trabalho que o Motim se propõe, realizar e viver dele, mas se existem seria maravilhoso colhemos e trocarmos vivências, pois é um trabalho muito prazeroso e louvável.

Perder essa ferramenta de ação que é o teatro libertário é um grande erro da nossa militância! Temos que fortalecer e aposta nesse segmento que é o teatro, pois se aposta muito nas bandas e nas músicas, e aí, já viu, né? Dá no que dá! Na maioria das vezes criam-se muitos “pop-star” como várias bandas que gostamos até os dias de hoje, mas em contra partida não dão 1 dia para a comunidade. Aqui temos vários maus exemplos.

Anarcopunk.org | Outra questão que está bem presente por aí é a luta quilombola. Fale um pouco sobre como tem sido a presença anarquista nesse sentido, e quais as principais urgências aí na região.

Linguiça | Nos quilombos, foi muito boa nossa participação. Hoje deu uma grande esfriada, tendo em vista um monte de violações de diretos humanos. Estivemos presentes em retomadas e seminários… levamos vários parceiros AP do Brasil para contribuir na formação e ocupações na capital e no interior do Estado, nos palácios do governo e órgãos como Incra, Idaf, prefeituras. Trouxemos parceiros AP para experienciar o festival do beiju, o movimento de retoma, grito quilombola, fechamentos de BR. Atuamos fortemente na formação e criação de grupos de teatro como o grupo Raiz Negra e hoje temos a continuidade do trabalho através do teatro de bonecos com Antônio Caboclo Sapezeiro, mas os vícios da militância social também contribuem para o esvaziamento da luta aqui nos quilombos. Não perdemos os vínculos que construímos ao longo de 15 anos de luta, porém a distância e a nossa fragmentação é um grande nó nessa importante frente de luta pela retomada do território ancestral quilombola, esta sim é a principal e mais necessária urgência, junto com a formação política.

Anarcopunk.org | Valeu Linguiça! Fica aqui um espaço pra tu deixar seus contatos e outras idéias que queira compartilhar!

Linguiça | Um forte abraço em todas as companheiras e companheiros. Venham nos visitar e compartilhar nossa vivência através da hospedagem solidária. Meu contato é paulo.oficinabase@gmail.com e temos a página <https://www.facebook.com/motimteatro1994/>. Viva a resistência dos povos AP. LING LING. CONVIDE E ARICULE A NOSSA IDA EM SEUS ESPAÇOS.