Em 9 de dezembro de 1981, Mumia dirigia o seu táxi no centro da Filadélfia quando avistou o policial Daniel Faulkner golpeando brutalmente com uma lanterna seu irmão, William Cook. Em defesa do parente, Mumia entrou em confronto com o policial e outro homem não identificado (que, segundo testemunhas, em nada se parecia com o jornalista). Tiros foram disparados. Quando outros policiais chegaram ao local da confusão, Mumia se encontrava sangrando na calçada com um tiro no peito, enquanto Faulkner estava morto. Acabava ali a liberdade do jornalista. O julgamento, iniciado em 1º de junho de 1982, foi comandado pelo juiz Albert Sabo, racista, grande apoiador da pena de morte e, o mais grave, membro vitalício da Ordem Fraternal da Polícia (FOP). Desde o incidente em dezembro de 1981, o FOP organizou uma campanha em favor da execução de Mumia; intimidou e ameaçou pessoas e entidades favoráveis à causa do jornalista negro e fez generosas contribuições para cinco dos sete magistrados da Suprema Corte da Pensilvânia, então candidatos a cargos políticos naquele Estado.
Seis fiscais da Filadélfia disseram, sob juramento, que qualquer processo nas mãos de Sabo relacionado à pena de morte tinha um “tratamento parcial”. E foi assim! Durante a seleção do júri, o juiz negou o direito de Mumia em interrogar as pessoas, afirmando que sua aparência (negro, de barba e dreadlocks) constrangia e intimidava os candidatos. Foi o próprio Sabo quem escolheu os jurados, todos favoráveis à pena de morte. E de um total de 12 candidatos negros, apenas um ficou. Mumia Abu-Jamal foi condenado em 3 de julho diante de uma série de irregularidades da “lei”, incluindo ocultação, ameaças e favorecimentos a testemunhas.
“Imaginemos o caso de um acusado: não lhe permitem defender-se; as testemunhas de defesa são afastadas. Imputam-lhe o homicídio de um policial e o juiz é membro vitalício da Ordem Fraternal da Polícia (FOP). Depois, sua apelação é rechaçada numa corte onde cinco dos sete juízes comprovadamente receberam contribuições e o endosso da FOP para suas respectivas candidaturas. Logo em seguida inventam uma ‘confissão’. Para mim, não se trata de ‘imaginação’ o porquê de as coisas acontecerem dessa forma.” (Mumia Abu-Jamal).
A acusação que pesava sobre Mumia era tudo o que a polícia da Filadélfia e o FBI precisavam para prender e calar o jornalista. No julgamento, como prova de caráter político, foram apresentadas cerca de 800 páginas com informações sobre a militância de Mumia no movimento negro. Ele foi preso pela primeira vez em 1968, então com 14 anos, durante o protesto contra o candidato racista à Casa Branca, George Wallace. Aos 15 anos, estava presente na manifestação de alunos de sua escola, que exigiam que ela fosse rebatizada com o nome Malcolm X, além de ser um dos fundadores do comitê do Partido dos Panteras Negras, na Filadélfia. Na época, os Black Panters eram considerados inimigos número um da justiça e sua ala mais radical defendia a luta armada.
Com 17 anos, foi secretário na comissão de informações do partido e redator do periódico Black Panther. Nos anos 1970, o nome do jornalista estava em uma lista do FBI de pessoas que ameaçavam a segurança dos Estados Unidos. Como radialista, denunciava a violência policial, em especial de caráter racista, e o cotidiano da população pobre. Foi ameaçado e perseguido pela polícia americana, que o tentou matar várias vezes e encontrou na morte de um dos seus o suposto flagrante para prender e calar o militante. Desde sua condenação, quatro pedidos para um novo julgamento foram negados pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos (o último no mês de maio). Hoje, aos 57 anos, Mumia Abu-Jamal (o único preso político americano em um país que se gaba em ter a melhor democracia do mundo), continua encarcerado. Há 27 anos, porém, luta para provar sua inocência por meio de declarações via rádio e publicação de livros e artigos.
por André Rezende