O Que Significa Revolução por Piotr Kropotkin
Nós dizemos, em nosso artigo precedente, que uma grande revolução está crescendo na Europa. Nós nos aproximamos de um tempo em que evolução lenta que vem acontecendo ao longo da segunda parte do nosso século, por mais que ainda impedida de vicejar, vai romper com os obstáculos que se encontram em seu caminho e vai tentar remodelar a sociedade de acordo com as novas necessidades e tendências. Tanto que, até agora, a lei do desenvolvimento nas sociedades, e a atual relutância das classes privilegiadas em reconhecer a justiça das reivindicações dos sem privilégios, suficientemente mostra que as lições do passado não lhes foram proveitosas. A Evolução vai assumir sua forma febricitante – A Revolução.
Mas o que uma é revolução? Se perguntarmos aos nossos historiadores, o que se entenderia é que significa muito barulho nas ruas; oradores bravios perorando em associações; motins quebrando janelas e destruindo casas; pilhagem, conflitos urbanos, e assassinatos; contendas exasperadas entre partidos; deposição violenta de governos vigentes, e denominação de novos tão impotentes em resolver os grandes problemas iminentes quanto os antigos; e então, o descontentamento geral, o crescimento da miséria; disseminação do reacionarismo sob a bandeira manchada de sangue do Terror Branco; e finalmente, a reformulação de um governo pior que o anterior. Esse é o quadro traçado pela maioria dos historiadores. Mas isso não é uma revolução. Existe nesse quadro alguns dos aspectos acidentais das revoluções, mas falta a sua essência. Quebra de janelas e conflitos urbanos podem ser também característicos de um tumulto; e uma mudança violenta de governo pode ser o resultado de uma simples insurreição. Como aconteceu, por exemplo, em toda Europa em 1848. Uma revolução tem um significado muito mais profundo. Pode haver conflitos urbanos ou não; pode haver destruição de casas ou não. Mas em uma revolução, deve haver modificação abrupta de instituições econômicas e políticas já superadas, uma derrubada das injustiças acumuladas nos séculos passados, uma transposição da riqueza e do poder político.
Quando percebemos, por exemplo, que durante anos de 1789 a 1793 os últimos resquícios das instituições feudais foram abolidos da França; o camponês que formalmente era – economicamente, se não mais legalmente – um servo do senhorio, se transformou em um homem livre; que o bem comum retomou a posse do solo cercado pelos proprietários de terra; que o poder absoluto do Rei, ou melhor, dos seus vassalos, foi rompido para sempre no decurso de apenas alguns anos; e que o poder político foi transferido das mãos de alguns poucos vassalos para as mãos das classes médias[1], – então dizemos que, foi uma Revolução.
E nós sabemos que nem o Movimento de Restauração nem o Terror Branco poderiam reconstituir os direitos feudais da nobreza, nem os da aristocracia latifundiária, nem o poder absoluto do Rei. Foi tanto uma revolução que, embora pareça derrotada, compeliu a Europa em sua extensão a seguir o seu programa – que é, abolir a servidão e introduzir o governo representativo. E para encontrá-lo, não devemos olhar para as pequenas eclosões dos nossos tempos; nós devemos regressar ao século XVII – à Revolução que tomou forma nesse país, com aproximadamente o mesmo programa, as mesmas tendências e consequências.
Quanto aos conflitos urbanos e as execuções, que preocupa tanto os historiadores, são incidentais ao aspecto grandioso da luta. Elas não constituem a sua essência e provavelmente não teriam ocorrido se as classes dominantes tivessem compreendido de vez a nova força que havia crescido entre elas e ao invés de maquinar contra, tivesse trabalhado de maneira franca a fim de contribuir para que a nova ordem das coisas tome forma na vida. Uma revolução não é uma mera mudança de governo, pois um governo, não obstante poderoso, não pode derrubar instituições através de meros decretos. Os seus decretos permaneceriam como letras mortas se ao redor do território uma demolição de instituições em decadência, econômica e política, não estivesse acontecendo espontaneamente.
Novamente, não é o trabalho de um dia. Significa um período inteiro, duradouro por muitos anos, durante os quais o país esteja é um estado de efervescência; quando milhares de espectadores a princípio indiferentes tomarem parte viva em assuntos públicos; quando a mentalidade pública, jogando fora os os limites que a restringe, livremente discuta, critique e repudie as instituições que são um entrave ao desenvolvimento livre; quando ela ousadamente abarcar problemas que outrora parecessem insolúveis. O problema principal que o nosso século impõe sobre nós é um problema econômico, e problemas econômicos implicam uma mudança tão profunda em todos os aspectos da vida pública que eles não podem ser resolvidos através de leis. As leis formuladas até mesmo por órgãos revolucionários têm sancionado principalmente fatos consumados.
A classe trabalhadora em toda Europa ruidosamente afirma que as riquezas produzidas pelos esforços coletivos de gerações passadas e presentes não pode ser apropriado por uma minoria. Eles consideram injusto que os milhões dispostos a trabalhar dependam da boa vontade, ou melhor da ganância, de uma minoria, para conseguir trabalho. Eles clamam por uma reorganização completa da produção; eles negam ao capitalista o direito de embolsar os lucros da produção porque o Estado o reconhece como proprietário do solo, do campo, da casa, da mina de carvão, ou da maquinaria, que, sem o usufruto destes, a maioria não pode fazer nenhum trabalho útil. Eles ruidosamente requerem uma organização de distribuição mais igualitária.
Mas esse imenso problema – a reorganização da produção, redistribuição de riqueza e da permuta, de acordo com os novos princípios – não pode ser resolvido por comissões parlamentares nem por nenhum tipo de governo. Deve ser um desenvolvimento natural resultado dos esforços combinados de todos aqueles que têm interesse, liberto das amarras das instituições vigentes. Deve desenvolver-se naturalmente passando de simplórias à complexas federações, e não pode ser algo esquematizado por poucos e ordenado pelos de cima. Nessa forma final isso certamente não teria qualquer chance de existir.
Mas esse reorganização econômica significa também a reformulação de todas estas instituições que são agora acostumadas a apelar a organização política de uma nação. Uma nova organização econômica necessariamente clama por uma nova organização política. Os direitos feudais se acomodaram perfeitamente às monarquias absolutistas; a exploração soberana das classes médias tem prosperado sob o governo representativo. Mas novas formas de vida econômica vão requerer também novas formas de vida política, e estas novas formas não podem ser um reforço do poder do Estado cedendo às suas mãos a produção e distribuição de riqueza, e seu produto.
O progresso humano está avançando em uma direção oposta; mirando na limitação do poder do Estado sobre o indivíduo. E a revolução não pode senão seguir a mesma vertente. Se os tempos são maduros o suficiente para remodelações substanciais da vida, tais remodelações serão resultado de inúmeras ações espontâneas de milhões de indivíduos; irá em uma direção anarquista, e não em uma governamental; e vai resultar em uma sociedade proporcionadora de recreação livre para o indivíduo e o livre agrupamento de indivíduos, ao invés de consolidar a submissão ao Estado. Se a Revolução vindoura não estiver fadada a perecer antes de realizar os seus propósitos, ela será anarquista, não autoritária.
Tradução: Pedro Henrique Silveira Assis
[1] “as classes médias” significam a burguesia nesse período porque eles são a classe que está entre trabalhadores e aristocratas.