Ensaio sobre um abolicionismo penal – edson passetti

publicado originalmente em verve 9: 83-114, 2006

O abolicionismo penal é uma prática libertária interessada

na ruína da cultura punitiva da vingança, do

ressentimento, do julgamento e da prisão. Problematiza

e contesta a lógica e a seletividade sócio-política do sistema

penal moderno, os efeitos da naturalização do castigo,

a universalidade do direito penal, e a ineficácia

das prisões.

Refuta a natureza ontológica do crime, ao mostrá-lo

como criação histórica, na qual a criminalização de comportamentos,

em maior ou menor quantidade, depende

das épocas e das forças sociais em confronto.

O abolicionismo revira o consenso a respeito da naturalização

do castigo, que fundamenta o princípio da

punição no direito penal. O abolicionismo penal opera

fora da órbita da linguagem punitiva e da aplicação geral

das penas, para lidar com a infração como situação-

problema, considerando cada caso como uma singularidade.

Propõe novas práticas, relacionando as partes envolvidas

e a justiça pública, com base na continuidade

da vida livre de punições, ao visar, de um lado, reduzir e

anular a reincidência e, de outro, obter do Estado uma

indenização para a vítima.

Atua pela via da conciliação entre as partes, como

ocorre no direito civil. Realiza uma reviravolta no atual

sistema penal e abre possibilidades para um percurso

experimental de respostas à situação-problema. Desta

maneira, abole a concepção criminológica de indivíduo

perigoso, norte do direito penal contemporâneo, e propicia

a expansão da educação livre do castigo. Diante do

velho, repetitivo, fracassado e inoperante itinerário punitivo

de sentenciamentos consolidado pelo direito penal,

o abolicionismo propõe percursos experimentais

para lidar com cada infrator em liberdade.

Do aprisionamento ao controle a céu aberto

Segundo os estudiosos do assunto, a expansão dos

costumes abolicionistas levaria a uma drástica redução

dos gastos governamentais com o sistema penal e

também dos lucros da indústria do controle do crime.

Este duplo movimento anti-reformista estabelece um

novo e diferente âmbito do querer político e explicita que

o abolicionismo penal, com o fim da punição, da prisão e

do direito penal, não desconhece o aparecimento de novos

problemas, que exigirão das partes envolvidas inventivas

maneiras de lidar com cada evento.

Na sociedade disciplinar, como mostrou Michel Foucault,

a internação em espaços fechados fortalecia a

obtenção de utilidade e obediência dos corpos, e as imanentes

relações de poder produziam positividades produtivas,

políticas e sociais. No limite, a repressão funcionava pela ameaça. As forças armadas, internamente,

intimidavam a parte da população disposta a provocar

levantes e revoluções e, ao mesmo tempo, protegiam

o Estado de forças ou Estados inimigos externos. A

polícia intimidava o indivíduo a ajustar-se à ordem, ao

zelar pela livre circulação de mercadorias e o tranqüilo

trânsito de pessoas. Enquanto instituições sociais funcionavam

para formar o corpo livre, útil e dócil, a prisão

moderna aparecia, no século XIX, como o lugar de reeducação

e re-socialização dos infratores a serem corrigidos

e devolvidos, produtivos e obedientes, à sociedade.

O prisioneiro era visto como um corpo a ser normalizado,

não só pela aplicação dos dispositivos punitivos

do direito penal, mas também pelo investimento dos saberes

das ciências humanas, atuando sobre ele na correção

dos desvios que o levaram a cometer ações perigosas

e ameaçadoras à sociedade. Pensava-se corrigir

uma caracterizada situação de anomia que vivia o infrator

pelas aplicações normalizadoras derivadas da associação

do saber penal e humanista. No interior da prisão,

o prisioneiro era um corpo passível de investimentos

positivos, capazes de lhe retirar periculosidades e

anormalidades, advindas das condições materiais e espirituais

precárias de vida à margem da sociedade. Este

prisioneiro era visto então como delinqüente, e deveria

ser devolvido, como cidadão obediente e produtivo: o efeito

simultâneo do direito de punir, das práticas científicas

de reforma do indivíduo e da introjeção de valores

superiores pela religião. Os reformadores da prisão, desde

então, não deixaram de acreditar neste tripé, e investiram

cada vez mais em agilizar procedimentos,

ampliar atendimentos e assistências e estimular religiosidades.

Os reformadores da prisão e do direito penal

acreditavam neste sistema e em seus aperfeiçoamentos,

e reconheciam que as condições materiais de existência

eram responsáveis pela maioria das infrações,

sempre confirmadas, a qualquer momento, pelas estatísticas.

Desta maneira, o pensamento reformista procurava

associar políticas de redução das condições de

vida precárias com redução de criminalidade, ora glorificando

o liberalismo, ora o welfare-state, com mais ou

menos políticas sociais. O limite reformista estava delimitado

pela utopia do igualitarismo sócio-econômico,

de um lado pressionado pelo socialismo estatista que

não deixava de lançar mão da própria prisão, do tribunal

e das humanidades e, de outro, pelos anarquistas que

consideravam o crime uma doença social que desapareceria

com o fim do capitalismo, acreditando ainda no

potencial racional das humanidades superando o direito

penal e as religiosidades. Ainda sob os desdobramentos

dos efeitos iluministas, estes reformadores oscilavam

entre mais ou menos Estado (aproximando liberais

e socialistas) ou ausência de Estado (com os anarquistas

levando o liberalismo para além da fronteira).

Na sociedade atual o controle passa a ser a céu aberto.

Sugere Gilles Deleuze, que opera-se um deslocamento

relativo à ênfase na internação da sociedade disciplinar,

sem com isso pretender uma substituição total.

O controle do território e da população, por terra, mar

e ar, passa a se efetivar pela distribuição de satélites

no espaço sideral. As forças armadas comandam pelo

campo orbital, assim como a polícia, as polícias secretas

e particulares, as polícias de seguro e comunitárias,

a polícia da polícia: a sociedade de controle policia

pessoas, internações, espaços subterrâneos, profundidades

de rios a oceanos, estrelas, planetas e sistemas.

Policia exércitos, políticos e magistrados. Policia trânsitos

de pessoas, móveis e espaçonaves. A sociedade de

controle policia em fluxos, pretendendo alcançar seguranças,

obtendo confianças e disseminando tolerâncias.

É a sociedade dos reformadores iluministas, depois

que estes descobriram como ocupar-se com fronteiras

constantemente móveis que abarcam conjuntos de Estados

como a Europa Unida, mercados como o NAFTA ou

o Mercosul, forças militares como a OTAN, diplomacias

como a ONU. Na sociedade de controle, o corpo não é

prioritariamente o alvo produtivo e obediente; nela importam

fluxos, importam inteligências. E estas nem sempre

se acomodam em corpos a serem disciplinados. Passamos

da era da mecânica dos corpos para a era dos

fractais, quanta, genomas, células, as invisibilidades de

bactérias e vírus. Nesta sociedade pune-se mais, e a

prisão deixa de ser o lugar preferencial destinado ao

infrator, em decorrência da diversificação do direito penal.

Os usos das penas para comportamentos desviantes

também se desdobram, e aparecem possibilidades

de justiças punitivas de Estado sem aprisionamentos.

Entretanto, isso não significa que a substituição da prisão

por dispositivos a céu aberto funcione pelo deslocamento.

Na maioria das vezes, ainda que os reformadores

tentem justificar controles a céu aberto — como liberdade

assistida, semi-liberdade, prestação de serviços

à comunidade, disseminação de tribunais de pequenas

causas, leis de penas alternativas, justiça restaurativa…

— como redutores ou supressores da prisão, estes

acabam somados à continuidade do encarceramento,

agora em prisões eletrônicas, e passa-se a caminhar do

tribunal penal local (proveniente do recente projeto de

justiça restaurativa) ao Tribunal Penal Internacional.

O direito penal, as ciências humanas e as religiões se

expandem da prisão para outros acontecimentos punitivos,

com custos indiretos do Estado com ONGs de assistência

e acompanhamento do penalizado, ou diretamente

com polícias locais, técnicos de gabinete, informantes

e informática controlando locais, bairros,

espaços selecionados e georeferenciados. Se na sociedade

disciplinar os custos eram com punições para fortalecer a prevenção geral, que funcionava objetivando dissuadir

o potencial infrator pela ameaça do castigo, na

sociedade de controle, que começa a se organizar com

base em programas de tolerância zero (punir mais qualquer

infração, mesmo que ínfima), estão em jogo custos

com prevenção, no sentido de informar sobre a pluralidade

de penas como maneira de se contornar o aprisionamento

ou deixar a prisão para criminosos irrecuperáveis. A

linha direta que havia entre infração e prisão agora é

transformada em um fluxo que absorve, expele, modifica

e transforma. Se no passado se acreditava no saber da

prisão para solucionar anomias, agora se lança mão da

própria prisão para afirmar que seu saber é incapaz de

corrigir, socializar, educar, evitar reincidências, para

justificar a continuidade de uma prisão de segurança

máxima, e que abarca os sempre atualizados campos de

concentração e extermínio, as colônias penais em ilhas,

a grande prisão no rochedo como Alcatraz, até aquelas

menorzinhas em qualquer cidade sobre o RDD — Regime

Disciplinar Diferenciado. O corpo na prisão é menos

importante do que as organizações prisionais dentro e

fora dela, conectadas com produtividades, coordenando

tráficos, empregos internos, sistemas de benefícios, relações

com parentes e mulheres, consolidando um fluxo

dilatado de conexões com a sociedade livre, a segurança

do lado de fora e seus vínculos com polícias e forças

armadas. Na sociedade de controle não há mais a

margem, apesar de permanecerem aumentadas as precariedades

materiais e imateriais; todos estão dentro. A

prisão não pretende mais devolver o encarcerado bom e

obediente; ela negocia sentenças no interior do sistema

penal, entradas e saídas de parentes, celebra casamentos,

rotinas domésticas, até chegar ao ponto em que

permanecer preso chega a ser uma solução segura. Os

reformadores do sistema penal não cessam de propor

projetos de punição, disciplina e controle em fluxos, estendendo aos poucos os interesses pela pena às descrições

sobre a cidade, as zonas fronteiriças e o campo.

Oscilam entre direito penal máximo e mínimo, substituição

de termos sentenciais em que a pena é substituída

por medida, da proliferação de jurisprudências à prática

de justiça efetiva; e, neste fluxo, diversas negociações

com tribunais são possíveis. Assim é que na atual

sociedade de controle o conservador programa tolerância

zero se transforma em políticas que absorvem liberais e

socialistas, rivalizando com lutas pela defesa de direitos

humanos. Assim é que os anarquistas tradicionais

também se restringem, no campo prisional, a lutas em

defesa de presos políticos, denunciando dispositivos de

confinamento perpétuo. Assim é que, por fim, lembrando

Michel Foucault, expande-se o teatro de denúncias

que o Estado espera de cada um.

O abolicionismo penal surpreende por enfatizar a educação

livre diante da cultura do castigo, suprimindo a

solução fácil, burocrática e onerosa da aplicação da pena

em nome de uma história remota, fundada no castigo,

na sua naturalização e numa duvidosa moral superior

que atravessa a sociedade disciplinar e a de controle.

Ele não se restringe à jurídica mão única destinada a

suprimir o direito penal, mas inventa práticas modificadoras

dos costumes, eliminando os tribunais no cotidiano

— como o conhecido julgamento caseiro em que

os pais de todas as classes sociais punem seus filhos

com uso moderado ou não de violência, sob as garantias

do direito penal. O abolicionismo penal provoca os juízes,

advogados, promotores e técnicos sociais e comportamentais

a abdicarem de procedimentos envelhecidos

e preconceituosos, anamneses caducas, testes obsoletos,

enfim, do poder que reitera seus saberes repressivos

para exercitarem práticas liberadoras. Se é modificando

os costumes repressores que se inventa uma sociedade mais livre, a abolição do direito penal é também

resultante de práticas liberadoras do castigo.

Disposto ao debate, mas avesso à polêmica, pelo fato

desta reiterar posições dogmáticas, o abolicionista penal

recusa a crítica dos normalizadores que o acusam

de gerar anomias. O abolicionismo penal também não

aceita o confortável confinamento numa utopia, como

pretendem seus oponentes, mesmo quando estes louvam

suas intenções com o objetivo de obstruir sua expansão.

O abolicionismo penal recusa elogios; ele quer

ecos.

Qual sociedade sem penas?

Um breve, mas atento olhar para a sociedade atual

notará que práticas abolicionistas acontecem diariamente.

Neste sentido, é preciso dizer que a sociedade

sem penas já existe e é experimentada pelas pessoas

envolvidas em uma situação-problema, quando dispensam

a mediação policial ou judicial e encontram soluções

conciliadoras.

Entretanto, a sociedade sem penas também existe

sob o reino do direito penal, e é apaniguada pelos adversários

e inimigos do abolicionismo penal. Mas esta, diferentemente

da outra, somente terá fim quando desaparecer

o direito penal.

É notório que nem todos os chamados delitos chegam

ao sistema penal, compondo o que os burocratas chamam

de cifra negra. Reconhece-se, assim, a incapacidade

estrutural do sistema penal, tanto para garantir a

proteção à sociedade contra os chamados indivíduos perigosos

que ela cria, quanto para reformar os encarcerados

que ela pretende reeducar pela penalização, objetivando

redução ou supressão das reincidências. Todavia,

a dimensão do fracasso na prevenção à desordem e

ao crime não cessa aí. É maior. Está acrescida de um

outro acontecimento interno ao sistema penal: sua incapacidade

em processar e sentenciar todo aquele que

lhe é destinado, devido não só à lentidão dos procedimentos,

dos que nenhuma reforma permanente consegue

dar conta, mas porque o próprio sistema penal não

foi criado para responder a todas as infrações a ele encaminhadas.

Desta maneira, conclui-se que o sistema

penal processa, prende e sentencia pelo dispositivo da

seletividade, e os seus alvos principais se ampliam ou

se concentram a partir das populações pobres e miseráveis,

das pessoas que atentam contra a moral e dos rebeldes

contestadores do conformismo. Portanto, há mais

sociedades sem penas do que imagina o simplório e obediente

cidadão. Diante disso, a doutrina da punição pelo

direito penal como prevenção geral contra a desordem é

a utopia da sociedade disciplinar que migra para a de

controle, sob o regime político democrático ou totalitário.

Estas breves considerações a respeito da existência

desta sociedade sem penas no interior da sociedade

punitiva mostram que a continuidade dos fracassos penalizadores

e de sua utopia depende de costumes pautados

na disciplinar obediência ao superior hierárquico.

Nesta roda-viva, os cidadãos pouco reparam nas inventivas

soluções que eles próprios encontram no

dia-a-dia para resolver as infrações cometidas, e muitas

vezes diluem suas atitudes abolicionistas conciliadoras

para com a situação-problema no elogio à sua esperteza

ou mesmo no júbilo pela sua capacidade de burlar

a lei exercendo o direito pela exceção. É neste domínio

que este mesmo cidadão, capaz de bradar pelo combate

ao fim da impunidade, contribui para a reprodução desta

sociedade sem penas estruturada na perpetuação de

assujeitamentos do cidadão e na consolidação de correlatas

práticas de corrupção, que vão dos costumes ao

direito penal e ao Estado, e deste novamente aos comportamentos

prescritos e normais. A corrupção, portanto,

jamais será uma disfunção do sistema penal ou do

Estado, mas é somente uma prática inerente aos desdobramentos

hierárquicos decorrentes da naturalização

do castigo e da obtenção de obediências pelo afago das

recompensas.

Em nossa sociedade, a população mais abastada, e

excluída da seletividade penal, permanece desfrutando a

mesma boa sorte, produzindo, por meio de políticos e funcionários

competentes, as leis universais atreladas às

práticas ilegais que sustentam interesses particulares.

Este universalismo particularista da lei e do direito penal

se robustece e se perpetua pela capacidade de penalizar,

de vez em quando e por diversos motivos, um indivíduo

privilegiado. Quando isto acontece, aumentam as

agitações em favor da série punitiva, propiciando ao indivíduo

midiatizado satisfazer sua ânsia por participar e

se sentir vingado. Sob este conforto efêmero, ele reitera

a crença na moral da pena, fundada em sua aplicação

universal e igualitária, incluindo o poderoso. Contudo,

cedo ou tarde, vem a decepção, quando ele constata que o

castigo imposto ao outro, e que o regozijou, foi minimizado

ou suprimido mediante a revisão processual. Perturbado

ou conformado, assimila o fato, e surpreendentemente

legitima a prática da seletividade, consolando-se

na utopia do fim da impunidade e da corrupção, refugiando-

se na esperança de uma verdadeira reforma penal e na

doutrina do castigo apocalíptico advindo do julgamento de

Deus. Por omissão, esperança, crença no sobrenatural

ou desejo de garantir a universalização da punição, cada

indivíduo midiático, ao clamar por mais castigos, colabora

para a continuidade das penas e ampliação da corrupção.

E assim, o direito penal e os seus críticos normalizadores

fortalecem suas alianças com o rebanho, colaborando

para a perpetuação de um viver conformista.

Diferentemente do indivíduo massificado da sociedade

disciplinar, aparece na sociedade de controle o divíduo,

convocado constantemente a participar das decisões.

Se a sociedade disciplinar precisava do corpo produtivo e

obediente, a de controle necessita da inteligência participativa.

Neste sentido, a democracia passa a ser a utopia

da sociedade de controle (globalizada ou pela anti-globalização),

e objetiva não mais reduzir resistências, eventualmente

suprimindo-as, mas integrá-las. Se na

sociedade disciplinar o poder se exercia em rede, e daí

concluía Foucault que todo poder implicava resistências,

na sociedade de controle o poder se exerce em fluxo, e daí

se constata que todo poder implica integrar resistências.

Se na sociedade disciplinar progrediam os grandes fascismos,

na de controle preponderam os micro-fascismos:

não mais o grande direito de causar a morte ou a vida,

mas o direito de participar da vida pelo pluralismo civil,

político, cultural e social.

Os novos reformadores penais

Diante do fluxo punitivo, veloz e certeiro, que se atualiza

constantemente, as reformas penais objetivam redirecionar

e ampliar os exercícios da punição e da corrupção.

Os mais influentes reformadores na atualidade dividem-

se em dois grandes grupos: um pretende variar as

penalidades, reduzindo os encarceramentos, e o outro

propõe o aumento de penalizações e aprisionamentos. De

um lado, posicionam-se os defensores das penas alternativas,

os arautos da criminologia crítica; de outro lado,

os conservadores que propugnam os programas de tolerância

zero. De ambos os lados, eles defendem a variação

de penas e a criminalização de novos comportamentos,

mas por vias adversas, fomentam o paradoxo da continuidade

ampliada dos encarceramentos, e por

conseguinte da corrupção do interesse particular.

Numa era de controle eletrônico, estar dentro ou fora

da prisão deixa de ser um aspecto distintivo da seletividade

penal. Um novo acontecimento prisional aos poucos

se consolida. Trata-se da conformação das periferias

das grandes cidades como campos de concentração,

nos quais as pessoas têm permissão para transitar para

o trabalho, desde que regressem rotineiramente, recebendo

do Estado escolas, equipamentos sociais e polícias

comunitárias. Aparece, então, uma nova diagramação

da ocupação do espaço das cidades, em que políticas

de tolerância zero e de penas alternativas se combinam,

ampliando o número de pobres e miseráveis visados,

capturados e controlados, compondo uma escala mais

ou menos rígida de punições, deixando inalterados a cifra

negra e os dispositivos de seletividade. Consolida-se

uma nova prática do confinamento a céu aberto, e o sistema

penal mais uma vez se amplia, dilatando os muros

da prisão.

Na sociedade disciplinar, falar em periferia era identificar

quem se encontrava à margem: da boa família,

do lar, da sólida formação moral, do emprego, do consumo,

da habitação… Falava-se daqueles que por um acaso

poderiam entrar para o interior da boa sociedade ou

ser dela expulsos em definitivo como prisioneiros, bandidos,

traficantes, criminosos… e confinados na prisão,

quando não mortos em confronto com outras gangues

ou com a própria polícia. Periferia ou subúrbio era o lugar

dos outsiders, que, depois de assimilar os códigos de

moradia e conduta hegemônicos, ainda administravam

a convivência com aqueles que ameaçavam à margem

da margem, com uma interminável guerra civil. Na sociedade

de controle a periferia está dentro. Todos são

passíveis de captura. Vivemos, então, momentos de periferias

que pelo planeta se realizam de maneira pluralista.

Temos a periferia formada pela pequena cidade

ou conjunto de cidades-dormitório, que acomoda a população que trabalha na metrópole, e que em seu interior

vê aumentar as ilegalidades. Outra maneira de periferia-

dormitório acontece quando os moradores da pequena

cidade ou deste conjunto deslocam-se para trabalhar

em novos centros empresariais, abertos em suas proximidades,

e que procuram dar conta da contenção do afluxo

para a metrópole. Assim, ao mesmo tempo em que

estas cidades-dormitório se conformam em relação à

metrópole ou ao centro produtivo, recentemente inaugurado,

desenvolve-se em paralelo a indústria do turismo.

Esta se esmera em enaltecer as histórias destas

cidades como povoados seculares, visando colaborar para

a manutenção das pessoas no local, pela criação de novos

empregos, atração de populações entorno ou empregados

de escalões superiores dos centros empresariais

vizinhos para conhecer a história local, com o intuito

de ampliar laços integrativos e culturais à zona de trabalho

e desdobrar empregos. Estas periferias formadas

por cidades pequenas também progridem por meio de

diversificada política cultural, visando fortalecer as raízes

ou as manifestações culturais populares e de massa,

combinando ações governamentais com não-governamentais,

na mesma sincronia em que funciona a nova

política de penalizações com medidas anti-prisionais.

Mas há uma terceira, mais intensa, violenta, surpreendente.

Pelo menos no Brasil ela se chama favela, no

asfalto, no morro, nos alagados. Construídas com papelão,

madeira, paus e plásticos, restos de outdoors, tijolos,

e erguidas sobre a laje, palafitas ou a rés do chão.

Ali estão trabalhadores dos comércios e indústrias legais

e ilegais, autônomos miseráveis, serviçais do narcotráfico,

pequenas prostitutas, pequenos prostitutos,

altos e baixos gigolôs, gente que vai servir na polícia ou

no exército, gente que serve pessoas de fino trato, de

escolas de samba, de digitação, de escola mesmo, de

capoeira, de cultura popular, escola do crime, de negros

e não negros, de brancos e não brancos, tudo girando, e

no sobe e desce constante. Embaixo do edifício estelar,

lá está a favela discriminada como pertencente ao bairro

X, enquanto o prédio dos bacanas é do bairro Y. E todo

mundo quer ser bacana! E quem não quer ser bacana

começa achar que a periferia é autêntica, um lugar

especial, até maravilhoso. E neste vaivém está todo

mundo ligado na TV, e pleiteando o bilhete único com

validade de 2 horas, o atual dispositivo de custo baixo de

transporte ao trabalhador, desde que ele regresse imediatamente

para casa ou vá apenas da casa para o trabalho.

Todos de volta para a periferia. Todos mantidos

presos na periferia. Periferia-prisão! E, como toda prisão,

com sua economia, justiça, violência, conexões e

interligações.

Na sociedade de controle, as reformas do sistema

penal e das práticas de confinamento incorporam os

espaços disciplinares, como a fábrica, a escola, o hospital,

a prisão, num campo ampliado que os conecta, chamado

de periferia. Os comportamentos criminalizados

são multiplicados e as medidas penais variadas, consolidando

o regime de tolerância zero — punir qualquer

pequena infração como medida de dissuasão — crença

em segurança, estatal e privada, que migrou dos conservadores

aos mais radicais socialistas de Estado para

constituir um novo consenso penal. Permanece, todavia,

inabalável a secular crença na associação pobrezapericulosidade,

sem a qual o sistema penal, no passado

e no presente, não garante sua continuidade com reformas

institucionais, mais ou menos democráticas.

No passado, foi pelo jogo político das reformas que o

sistema penal alimentou sua burocracia e fortaleceu a

prisão. Consolidou-a como o local para onde devia ir o

imoral, o desordeiro, o repugnante, refazendo no cidadão

obediente e responsável a crença na justiça pelo

medo da prisão — local onde cabiam todos os ilegalismos e

seu complemento, as rebeliões por liberdade e demolição

da prisão. Foi assim que todo sentenciado pelo sistema

penal acabava sendo tratado como um preso político, um

perigo para a ordem, pois deixava de haver a distinção entre

infração material e ideológica. Eram todos ladrões, homicidas,

estelionatários, rebeldes e revolucionários que tinham

seus corpos disponíveis às confissões, torturas e

sujeições, aos negócios, às economias, empregos e subornos,

à morte, e que, não raramente, viam seus familiares

e pessoas próximas envolvidas nas trapaças, negócios ilegais

e novos assujeitamentos. A prisão encarcerava seletivamente

o infrator e suas relações de afinidades, carcereiros

e diretores, reformadores e beatos. Advinda da sociedade

disciplinar do século XIX, tornou-se a matriz do

campo de concentração da atual sociedade de controle, e

permaneceu como a imagem mais forte do medo da força

repressiva de um Estado. No passado, a prisão era, para

cada cidadão livre e responsável, a imagem do terror. Hoje,

são as periferias que assumem este lugar da imagem do

terror, sejam elas compreendidas como os espaços das

grandes cidades ou ações de agrupamentos terroristas

estrangeiros, vistos também como procedentes das periferias

da globalização. Estamos todos presos?!

Um abolicionismo

Diante dos reformadores em geral, podemos navegar

outro fluxo, ainda pouco caudaloso e freqüentado

pelos rebeldes.[1] Não se trata de compreendê-lo a partir

da histórica oposição entre revolucionários e reformistas,

pois desde os desdobramentos socialistas

estatistas advindos do início do século XX, mais precisamente

após a Revolução Russa, constata-se que

os revolucionários, como lembrava Proudhon,[2] no século

XIX, nada mais são do que novos reformadores,

restaurando a centralidade de poder. Se os revolucionários

e reformadores são intelectuais proprietários

da verdadeira consciência, os rebeldes são agenciadores

de mudanças, compondo forças intempestivas

que desassossegam centralismos.

Depois da II Guerra Mundial, pensadores como Foucault

e Deleuze não deixaram de chamar a atenção

para a vida fascista, calcada no gosto pelo poder, por

desejar aquilo que nos domina e explora, e por justificar

atrocidades cometidas por dirigentes e assujeitados,

em nome da consciência verdadeira, alojada no

Estado em nome da nação ou da classe.[3] Foucault e

Deleuze enfrentaram sem medos o discurso da vitimização,

mostrando que as subjetividades nela contidas

autorizam extermínios, que vão da casa ao Estado

e deste às minúsculas e supostamente inexpressivas

localidades. Louk Hulsman, um dos mais intensos abolicionistas

penais, também é avesso ao domínio dos

intelectuais, esclarecendo e dirigindo consciências, falando

em nome de pobres, oprimidos, excluídos, abandonados,

miseráveis, enfim, o grande contingente com

suposta deficiência de consciência, que muitas vezes

segue seus tiranos, travestidos de messias, pai político,

condutor para a nova era.[4]

Pensadores como Proudhon e Hulsman ensaiam outras

saídas para o mundo da propriedade, a partir da

vivência de novos costumes que afirmam uma educação

libertária, uma liberdade que começa em cada um,

abolindo o castigo em seu interior. Mesmo sem ser uma

referência explícita de Hulsman, o anarquismo, e mais

precisamente o pensamento libertário, rondam suas

reflexões, e em comum com Proudhon fazem transparecer

a emergência contínua de uma nova sociedade

livre e desigual, que problematiza o saber do direito

penal e atua na luta dos movimentos abolicionistas.

Pensadores como Foucault e Deleuze ensaiam outras

experimentações para este mundo de propriedade em que

a democracia somente progride com a disseminação de

muita miséria. Experimentações são ensaios de vida,

relações intensas entre o que se vive e pensa, provocando

novas subjetividades voltadas para outros estilos de

vida, compondo uma intrínseca relação entre pensar e

agir, na qual não está mais em jogo uma teoria que orienta

uma práxis. Não está mais em questão o macro, o

molar, levando-se em consideração que o devir revolucionário

coletivo se esgotou. Por outros percursos, no século

XIX, Max Stirner e depois Nietzsche sinalizavam para

o fim dos universais e, ao estilo de Stirner, devíamos

deixar a sociedade morrer, e abdicar da gloriosa função

de reformadores sociais. A sociedade é um conceito criado

pelos homens, e acompanhado de suas fantasmagorias,

para mostrar um determinado momento evolutivo da

espécie. A sociedade, seu nascimento e sua conservação,

é o objeto de interesse de revolucionários e reformadores.

Os rebeldes, então, distinguir-se-iam destes agentes

pluralistas, pela ênfase no devir insurreto pessoal e

ensaístico, nômade, nosso eterno retorno.

O abolicionismo penal, assim como o anarquismo, é

um pensamento em aberto, inacabado, diverso, composto

de singularidades, mas que podem ser uniformizadas

ou unificadas pelos critérios do pluralismo democrático

ou das afinidades grupais. Ambos correm o risco de serem

capturados por organizações molares. O primeiro

subordinando-se à criminologia crítica — trajeto que

parece agregar o abolicionismo penal de influência

marxista — , funcionando como reformador radical no

interior do Estado e do tribunal. O segundo, pela noção

de sociedade, substituindo o Estado depois de sua abolição,

em que o indivíduo deixa de estar sobre o domínio

repressor do Estado para passar ao exercício autônomo

e livre de autoridades sociais. Contudo, o poder é mais

do que repressão. Desde a sociedade disciplinar, de onde

provém o anarquismo moderno, o poder funciona pelas

suas positividades expressas nas utilidades e docilidades

exigidas dos corpos, compondo uma tecnologia de

poder que atravessou o capitalismo para se alojar também

no socialismo de Estado. O anarquismo foi contundente

em sua crítica a esta positividade do poder, propondo

demolir relações de obediência, desde as mais

próximas como amor, sexo, educação de crianças e amizade,

até arruinar o Estado. O anarquismo foi e é o discurso

mais contundente à sociedade disciplinar, mas

que se restringe aos limites do deslocamento da soberania

do rei, povo, proletário no Estado para a sociedade.

Foi a derradeira expressão da maioridade iluminista

restaurada, ou da verdadeira emancipação humana.

Com a emergência da sociedade de controle, tornase

mais pertinente ainda uma das derradeiras problematizações

de Foucault, ao se perguntar se algum dia

nós alcançaríamos a maioridade.[5] Deleuze, anos depois,

dirá que diante das maioridades se interpõe, vive e se

aparta a força do menor como devir, aquela minoria

que evita modelos.6

O abolicionismo penal é um discurso que emerge

da sociedade de controle, e é neste sentido que Louk

Hulsman aparece como seu instaurador, apartando-se

dos desdobramentos herdados da crítica marxista revolucionária

ou reformista da sociedade capitalista,

expressa em pensadores como Nils Christie e Thomas

Mathiesen. O abolicionismo penal de Hulsman é diferente

dos marxistas, relembrando não só sua aversão

ao intelectual condutor de consciências como também

sua preocupação em demolir incondicionalmente o

direito penal, sem direito a negociações de aprisionamentos

transitórios, mas também por não condicionar

a situação-problema a uma determinação sócio-econômica. O abolicionismo penal de Hulsman responde às inquietações provocadas pela sociedade de controle: está

apartado da centralidade do tribunal, da aplicação universal

da lei, do domínio acadêmico do direito penal, da

baboseira fétida daqueles que dizem ser o abolicionismo

penal uma belíssima utopia, e daqueles que o combatem,

descabelando-se e babando ensandecidos, em

qualquer rodinha, que o abolicionismo penal dissemina

impunidades e anomias, bradando o surrado jargão burguês

que associa anarquia a baderna.

O abolicionismo penal como amplificador de resistências

na sociedade de controle atua em fluxos incorporadores,

mas não uniformizadores, e é assim que reconhece

e convive com os vieses marxistas em seu interior.

Entretanto, na sociedade de controle não se opera

mais por posicionamentos e contra-posicionamentos,

como na sociedade disciplinar. Nela se é convocado a

participar democraticamente, com base na difusão de

informações e comunicações, em fluxos diversos, simultâneos

e constantes. Mais do que resistir (porque o alvo

da sociedade disciplinar é anular resistências), isto propicia

a cada um, a cada divíduo, libertariamente, invenções

da vida, ensaios de existência, demolições da

sociedade ou reconhecimento de que ela está morrendo.

Lembrando uma contundente reflexão deixada por

Foucault para os tempos de agora, o ensaio é uma experiência

modificadora de si no jogo da verdade, e não se

confunde com a aproximação ao pensamento de outro,

com a finalidade de comunicar. Pensar é experimentar.

[7] Deleuze, tecendo um retrato de Foucault, mostrou

a distinção entre história e experimentação, para salientar

que só há experimentação diante de condições

adversas colocadas pela história.8 Desta maneira, a experimentação

quase foge da história, é indeterminada,

é filosófica, e Foucault teria colocado sua vida no seu

pensamento o que, segundo Deleuze, o caracterizava

como o único filósofo do século XX que teria saído do

século XIX. Foucault, por sua vez, e ainda vivo, dizia que

esperava que o século XXI fosse deleuziano. Estamos,

então, diante de experimentações, estilos de vida, ensaios

de existências, que não são consumidos por palavras,

livros, aulas, púlpitos, messiazinhos e corajosamente

demolem universais. O abolicionismo penal quer

modificar pelo transtorno gerado em si próprio. Então,

se de um lado assimila em seu interior efeitos de resistências

advindos da sociedade disciplinar, como o reformismo

marxista, de outro incentiva a ensaios de experimentações

e a se separar dos reformadores.

Abre-se um campo a ser retomado pelo Nu-Sol, e

que vem desde os estudos iniciados na década de 1990,

a respeito do ensaio sobre o fim das punições, libertos,

agora dos modelos. O ponto de discórdia e de bifurcação

de percursos com Hulsman (sem deixar de reconhecer

os instigantes trabalhos de pesquisa e teoria

de Christie e Mathiesen) se encontram na alternativa

aos universais. Hulsman em seus poucos, mas preciosos

escritos, mostra que na sociedade de controle não é

mais a abundância de publicações (tendência a crescer

cada vez mais por meio de obras temáticas, prescritivas,

científicas e literárias, dentro e fora da Internet)

nem os longos tratados que prevalecem, mas o apreço

pelos ensaios de curta duração, capazes de gerar implosões

transgressivas. O ponto de discórdia com Hulsman

situa-se, apenas, em relação à defesa de modelos alternativos.

De início, convêm lembrar que o rompimento com universais

é também uma superação do pensamento por

modelos. Portanto, ao situar cinco modelos alternativos à

universalidade da lei (conciliação, educação, terapia, com

pensação e a própria punição, quando aceita pela outra

parte) para buscar resoluções para situações-problema,

Hulsman nos remete a trajetos que podem vir a ser imobilizadores.

Menos pelos conteúdos dos modelos, mas pela

própria existência dos mesmos, que funcionam, enfim,

como uma referência para os custos de Estado, por meio

das exigências racionais do cálculo econômico e das representações.

Nada a discordar a respeito das atenções

relativas a indenizações de vítimas ou suportes para infratores,

a ênfase na conversação com base na conciliação

e na compensação eficazes no direito civil, o acompanhamento

regular, o efeito destas soluções para encerrar

com o processo de encarceramentos (o que não significa

abrir as portas das bastilhas), a aposta na redução de reincidências.

Mas a vida não cabe num modelo, nem em cinco

nem em n modelos. Tomemos um exemplo recente de

justiça, que se assemelha ao abolicionismo penal e que

se fundamenta em modelos (sem esquecer que o regime

de penas alternativas, como vimos, no passado recente,

procurava legitimar-se diante das forças progressistas, disfarçando-

se de discurso não-encarcerador e argumentando

que penas alternativas levariam à diminuição do número

de prisões; ao contrário, a história o colocou como

mais um discurso encarcerador, na medida em que não

deixaram de aumentar as penalizações e não ocorreu a

redução das prisões; enfim, pela culatra, o discurso das

penas alternativas também contribui para a aceitação da

política de tolerância zero). Trata-se de analisar, brevemente,

a atual proposta de justiça restaurativa, que cresceu

também desde a década de 1990, e que se caracteriza

como “(…) um processo através do qual todas as partes

interessadas em um crime específico se reúnem para

solucionar coletivamente como lidar com o resultado do

crime e suas implicações para o futuro”,9 vinculado ao

controle de pessoas que vivem situações de vulnerabilidades

(o que no passado recente se chamava situação irregular ou situação de risco, habitantes da cultura da pobreza, ou diversas designações para a mesma e seletiva população

perigosa). Enfim, a justiça restaurativa, que deve

ser analisada com mais detalhes noutra ocasião, não é

apenas a nova face da reforma, mas é também a cara que

mais se aproxima do abolicionismo penal, ao propor aos

envolvidos com a situação-problema que encontrem suas

soluções, por meios diretos ou indiretos, mas sem apartar-

se do Estado. Os princípios do programa de Justiça Restaurativa,

promovido pela ONU e financiado pelo BID, “(…)

procuram privilegiar a conciliação, a restauração ou a

cura, prescindindo em muitos casos das autoridades judiciais,

em favor das comunidades dos locais em que ocorreram

as infrações. Os valores que parametram a Justiça

Restaurativa dividem-se entre os diretos como o diálogo

respeitoso, o republicano e o de não dominação; e os indiretos

como o perdão, a clemência e o remorso. A aplicação

da justiça restaurativa no Brasil delineia-se com o objetivo

de formação de um domínio que seja, simultaneamente,

preventivo do ponto de vista penal e instrumentalizador

de programas acoplados à reforma do sistema judiciário.

Fica uma questão: como é possível suprimir modelos

punitivos se a justiça restaurativa pressupõe modelo alternativo

que de antemão reconhece a superioridade de

alguém? Então, suprime-se em parte as autoridades judiciais

para pôr em seu lugar a comunidade. Desloca-se o

risco da exceção para o do fascismo.”[10]

O abolicionismo penal pretende suprimir a autoridade

superior. Dessa maneira deve apartar-se dos modelos em

favor de uma resposta-percurso que se modifica a cada

caso, por meio de um acompanhamento que também se

afasta da vigilância em favor da parceria. Ora, isto é

muito difícil de ser compreendido pelos reformadores,

intelectuais condutores de consciência e militantes de

ONGs. Afinal, para onde pode seguir um infrator sem o

seu condutor de consciência? A resposta-percurso envolve os integrantes da justiça e da situação-problema,

procurando acionar dispositivos antropofágicos em que

os desvios são assimilados pelos envolvidos, abdicandose

das soluções antropoêmicas da nossa cultura ocidental,

que por não suportar os desvios os reenvia para arquipélagos

repressivos, como sublinhava o antropólogo

Claude Lévi-Strauss.[11] Portanto, diante da falência das

soluções universais, das ambigüidades dos modelos alternativos

(não esquecendo que alternativo é somente

a outra cara do mesmo modelo), a resposta-percurso aparece

como maneira de ampliar as críticas e sugestões

elaboradas, inicialmente, por Hulsman, em função da

experimentação da vida como ensaio, fortalecendo o fluxo

abolicionista, não pelos resquícios de resistências

advindas da sociedade disciplinar, mas pela expansão

de forças ativas diante das reativas, e considerando que

cada situação-problema realmente é um caso.

Diante da insistência na restauração da tese da libertação,

coloca-se a pertinência das práticas de liberação,

ensaístas e rebeldes. O que fortalece o fluxo abolicionista

penal na sociedade de controle são as rebeldias que abalam

a crença de outros abolicionistas em eliminar as

condições de miserabilidade, que vão da defesa da restauração

do welfare-state diante do Estado punitivo atual,

compreendendo um leque que abarca abolicionistas como

Christie[12] e Mathiesen,[13] mas também socialistas estatistas

não convencionais, como Zigmunt Bauman,[14] Loïc

Wacquant[15] e Antonio Negri & Michael Hardt,[16] e anarquistas

como Noam Chomsky.[17] Por mais bem intencionados

que estejam, ficam esbaforidos no interior das forças

reativas. O abolicionismo penal de Hulsman não quer

mais ou menos Estado; ele quer o fim do direito penal,

costumes libertários, outros estilos de vida. Aproxima-se

mais do campo molecular, apartado do molar, rizomático

e nômade. Não pretende recuperar o molar, como Negri

& Hardt com a noção de multidão, como Wacquant e a

restauração de políticas públicas, como Bauman, dando

conta da atenção sobre as vidas desperdiçadas e como

Chomsky, aderindo ao passado do welfare-state para recuperar

direitos sociais, e elaborando uma estranha,

expressionista e estratégica teoria da ampliação da jaula.

Todos, com as melhores intenções, permanecem no campo

reativo das reformas ou utopias revolucionárias.

A rebeldia do abolicionismo penal procedente de Hulsman

favorece liberar a vida dos modelos, tornando-a

mais salutar, mais ensaísta, e suprimindo a autoria. O

abolicionismo penal passa a ser uma outra linguagem,

que arruína autorias individualizadas em pessoas, cargos,

procedimentos ou instituições. Ela se faz por experimentações

sem pleitear hegemonias. Pode até coexistir

estrategicamente com outras forças redutoras de

centralidades ou taticamente, segundo as circunstâncias.

Ainda que a sociedade de controle pretenda pacificar

definitivamente as relações de poder pela participação

democrática generalizada, fazendo reluzir, outra vez,

os raios iluministas kantianos e de seu projeto de paz

perpétua, a política ainda permanece sendo uma guerra

prolongada por outros meios.

Vaivém: sinal de alerta

Vivemos uma era de tolerância zero, era da segurança

propagada por meio de cercas, construções e dispositivos

eletrônicos, e que pretende capturar singularidades,

como o abolicionismo penal, em nome da ampliação

de universalidades repressoras, pluralistas,

democráticas e uniformizadoras. Em defesa da segurança

do cidadão, institui-se a periferia como campo de concentração,

a disseminação da educação de crianças e

jovens pela denúncia e delação, o culto à repressão, a

propagação de preconceitos metamorfoseados em políticas de cotas, enfim, novas tecnologias de poder restauradoras do discurso aristocrático, porém por seu avesso,

em cujo limite se acusa o outro como sangue ruim por

natureza. Se antes se naturalizava o castigo, agora o

racismo reaparece, não mais como decorrência da criminologia,

mas da disseminação de direitos por meio do

multiculturalismo.

O abolicionismo penal alerta para o fato de que a lógica

punitiva começa muito antes de aparecer uma situação-

problema, e que muitas vezes ela cala, esconde, disfarça,

maquia e ronda a vida de muitas pessoas. Encontra-

se disseminada no cotidiano, fomentando não apenas

os pequenos fascismos, mas ampliando sua faceta terrorista

por meio de respostas legais ao crescente clamor

por mais punição e aprisionamentos, deixando acontecer

chacinas e execuções por agentes policiais, gangues

e sicários, contemporizando com o terrorismo diário instalado,

segundo a moral, em lares venerados e barracos

desrespeitados.

O fascismo terrorista possui outros dois aspectos,

além daqueles conhecidos historicamente, quais sejam:

o Estado de exceção temporário ou permanente, com

prática de morte e intimidação pela ação violenta visando

destruir os oponentes do Estado. Advindo da fase

do Terror da revolução Francesa, e próprio do Estadonação,

o fascismo molar no século passado se concretizou

como efeito do nacionalismo exacerbado contra mobilizações

socialistas e democráticas, constituindo-se

em um movimento reativo a um outro fascismo, que

emergira no início do século passado e inerente aos

desdobramentos da revolução socialista. Neste caso, o

terror na revolução Russa consagrou o seu grupo reativo,

o bolchevista, pretendendo perpetuar a ditadura do

proletariado. A seu modo, reprisou o período do Terror

francês do século XVIII: em nome do proletariado ou do

povo, os condutores de consciência pretendem obter plenos

poderes para dirigir a massa… E assim como o fascismo

europeu sofreu seu golpe fatal com o final da II

Guerra Mundial, o totalitarismo socialista sucumbiu

depois da reviravolta neoliberal da década de 1980. Todavia,

as longas convivências com o estado de sítio,

em vez de confirmá-lo como dispositivo de exceção, o

catapultou à condição de regra, como mostrou Giorgio

Agamben:[18] o estado de exceção foi sendo trazido gradativamente

para dentro da lei e das constituições democráticas

e liberais do Estado de Direito, desde o início

do século XX, principalmente desde a República de

Weimar.

Um outro terror, anti-estatal, molecular e anarquista,

e desvencilhado do fascismo, apareceu na Europa,

no século XIX , visando, pela ação direta, provocar mortes,

explosões e pânicos, não só contra reis e príncipes,

mas também em locais privados tidos como públicos,

escancarando a falácia da segurança oferecida

pelo Estado, os equívocos propositais de sua justiça,

os desdobramentos relativos ao regime da propriedade

disseminando miséria.[19] Os novos rumos dos anarquismos

individualista, sindicalista, coletivista e comunista

da primeira metade do século XX praticamente

acabaram com o terrorismo anarquista, que pode

ser caracterizado como ação rebelde radical diante do

refluxo do movimento operário europeu, depois do

massacre da comuna de Paris e do domínio das lideranças

operárias pelos socialistas estatistas fora da

península ibérica.

De cima para baixo ou de baixo para cima, o terror

se concentrava em ações no interior do território de

um Estado-nação, para conservá-lo ou destruí-lo, diante

do imperativo da internacionalização das relações

de poder.

Os dois novos aspectos do fascismo terrorista (e é

desnecessário lembrar que o fascismo também cria positividades

de poder e não se define somente pelo uso

violento ou repressivo) relacionam-se com a internacionalização

das relações de poder na sociedade de controle.

Um deles, o de pulverização, diz respeito à ação

imediata de grupos adversários de Estados hegemônicos,

como Al Qaeda (agrupamento que vem se desdobrando

em programa na sociedade de controle), ativistas palestinos,

ou até mesmo antigos nacionalistas (como o

IRA, na Irlanda e o ETA, na Espanha), atualmente em

fase de assimilação pela Europa, ou grupos conservadores

derivados da dissolução da URSS, como os chechenos,

e que pleiteiam ser Estado Nacional (numa era que

não admite mais sua predominância, mas na qual, contraditoriamente,

para pertencer aos consórcios contemporâneos,

ser Estado continua a ser a condição de admissão),

sem esquecer, ainda, dos terroristas das décadas

de 1960 a 1980, dentro e fora da Europa, como

“Brigadas Vermelhas”, “Baader-Meinhof”, “Sendero Luminoso”,

“FARC”. Não há marcos fixos para suas emergências.

Elas são diversas e oscilam entre os vestígios

da primeira parte do século XX, final da II Guerra Mundial,

com o reconhecimento do Estado de Israel, a continuidade

das lutas de grupos separatistas, a emergência

dos aiatolás no Irã do final da década de 1970, o redimensionamento

do controle petrolífero no Oriente Médio,

a luta contra o Império soviético, a luta contra o

Império norte-americano, a reterritorialização da URSS,

o aparecimento de guerrilheiros e terroristas radicais

na América Latina e na Europa, lutando contra regimes

capitalistas, ditaduras militares, enfim, um interminável

aparecer, desaparecer e reaparecer de terrorismos

de procedência molar. Foi assim que, no vaivém dos combates,

as restrições aos aclamados direitos civis e políticos

e a censura explícita à liberdade de expressão, não só

foram sendo justificadas, mas prontamente assimiladas.

E isto não se deve apenas ao ataque às torres gêmeas do

World Trade Center, em Nova Iorque, em 11 de setembro

de 2001. Os Estados, aos poucos, assimilaram estados de

exceção em seu interior, que agora se justificam em

nome da democratização do planeta. Antes era preciso

intervir em outros Estados em nome da liberdade contra

o socialismo ou em nome do socialismo contra o individualismo.

Na sociedade de controle atual se intervém em

nome da democracia, seus direitos, seus espaços, sua

permanência, a garantia da segurança do planeta. O segundo

fascismo terrorista, o de concentração, realiza-se

com o processo descrito anteriormente de transformação

das periferias em campos de concentração, ampliando

os dispositivos dos Estados fascistas na Europa, na

América Latina e no Brasil (em um contínuo que vai do

Estado Novo à ditadura militar, mas que também apanha

outro fluxo, que vai da repressão democrática pelo estado

de sítio, na década de 1920 contra anarquistas, até os

limitados direitos políticos na atualidade democrática em

que não só inexiste a liberdade do voto facultativo, mas

também a introjeção da repressão, incluindo o direito ao

emprego e à liberdade de sair do território, para aqueles

que decidirem não exercer seu direito de abstenção). O

fascismo terrorista se expande, rejuvenescido com sua

bela cirurgia plástica chamada de democracia. Nos Estados

Unidos, no Brasil e um dia na China, as pessoas neste

planeta passaram a viver em um imenso arquipélago

formado por campos de concentração, encenando rituais

democráticos, regrados por dispositivos de exceção e vigiados

desde o espaço sideral.

Nesta época repleta de distribuição de direitos, paradoxalmente,

estamos mais presos ainda, acostumados

com a pena de morte e a construção de prisões para sentenciados

que lá devem permanecer até morrer. Se no

passado constatava-se que a prisão não corrigia nem integrava o infrator à sociedade, hoje se reconhece que ela passou a ser um lugar de sociabilidade de pessoas abandonadas

pelas ruas, que visitam parentes e amigos confinados

nestes palácios de repressão e morbidez.[20] Enquanto

as periferias das grandes cidades se consolidam

como prisões a céu aberto, a antiga prisão no interior

deste espaço funciona tanto como dispositivo de sociabilidade

de miseráveis quanto como acionista de negócios

ilegais. Não há mais lugar ou legitimidade para rebeliões;

vivemos uma era de reformas tamanhas, que a continuidade

da prisão passou a ser um modo lucrativo de

vida, defendido pela hierarquia empresarial superior dos

encarcerados. Num piscar de olhos tudo parece integrado

no vaivém da lei pelos ilegalismos.

O abolicionista penal se afasta das práticas seletivas

que alimentam os corredores limpos e engravatados dos

tribunais, e as sujeiras e fedores nas prisões, lares e

escolas, repartições públicas… Adversário do universalismo

moralizador, o abolicionista pratica a ética da liberação.

Problematiza o direito penal e os costumes punitivos

na atualidade, não se restringindo ao papel de resistência

jurídica. Não é uma utopia, mas a escolha libertária

de quem abole o castigo em si e na sociedade, proferindo

um não afirmativo e bradando aos que querem mais punição:

em meu nome não!

Notas

1 Max Stirner. O único e a sua propriedade. Tradução de João Barrento. Lisboa,

Antígona, 2004; Albert Camus. O homem revoltado. Tradução de Valerie Rumianek,

São Paulo/Rio de janeiro, Record, 1996.

2 Paulo-Edgar A. Resende & Edson Passetti. Proudhon. Política. Tradução de

Célia Gambini e Eunice Ornelas Setti. São Paulo, Ática, 1986.

3 Michel Foucault. “Uma introdução à vida não-fascista”. Tradução de Fernando

José Fagundes Ribeiro. In Cadernos de Subjetividade. Gilles Deleuze, São Paulo,

Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade/PUC-SP, 1996, pp. 197-200.

112

9

2006

Michel Foucault e Gilles Deleuze. “Os intelectuais e o poder. Conversa entre

Michel Foucault e Gilles Deleuze” in Microfísica do poder. Tradução e Organização

de Roberto Machado. Rio de Janeiro, Graal, 1979, pp. 69-78.

4 Louk Hulsman. “Temas e conceitos numa abordagem abolicionista da justiça

criminal”. Tradução de Maria Brant. In Verve. São Paulo, Nu-Sol/PUC-SP,

2003, v. 3, pp. 190-219. “Alternativas à justiça criminal”, Tradução de Maria

Lucia Karam, in Edson Passetti (org). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de

Janeiro/São Paulo, Revan/ Nu-Sol, 2004, pp. 35-68.

5 Michel Foucault. “O que são as luzes?” in Manoel de barros Motta (org.).

Michel Foucault. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Ditos

e Escritos. Tradução de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro, Forense Universitária,

2000, pp. 335-351.

6 Gilles Deleuze. “Controle e devir”, in Conversações. Tradução de Peter Pál

Pelbart. Rio de Janeiro, 34 Letras, 1992, pp. 209-218.

7 Michel Foucault. O uso dos prazeres. Tradução de Maria Thereza da Costa

Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1984.

8 Gilles Deleuze. “Um retrato de Foucault”, in op. cit., 1992, pp. 127-147.

9 www.nu-sol.org , hypomnemata 63/jul.2005.

10 Idem. Ver também, Catherine Slakmon, Renato Campo P. de Vito & Renato

Sócrates Gomes Pinto. Justiça restaurativa. Brasília, Ministério da Justiça e Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimnto – PNUD, 2005.

11 Claude Lévi-Strauss. Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São

Paulo, Companhia das Letras, 1996.

12 Nils Christie. “Civilidade e Estado”. Tradução de Beatriz Scigliano Carneiro.

In Edson Passetti & Roberto B. Dias da Silva (orgs). Conversações abolicionistas.

Uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo, IBCCrim/PUC-SP,

1997, pp. 241-257. A indústria do controle do crime. Tradução de Luis Leiria. Rio

de Janeiro, Forense, 1998. A suitable amount of crime. London/New York,

Routledge, 2004.

13 Thomas Mathiesen. Prison on trial. London. Sage, 1990.

14 Zigmunt Bauman. Modernidade e holocausto. Tradução de Marcus Penchel. Rio

de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos

Alberto Medeiros, Rio de Janeiro, Jorrge Zahar Editor, 2005.

15 Loïc Waquant. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro,

Jorge Zahar Editor, 2003.

16 Antonio Negri & Michael Hardt. Império. Tradução de Berilo Vargas, Rio de

Janeiro, Record, 2001. Multidão. Tradução de Clovis Marques, Rio de Janeiro,

Record, 2005.

17 Noam Chomsky. Notas sobre o anarquismo. Tradução de Vários. São Paulo;

Imaginário/Sedição, 2004.

18 Giorgio Agamben. Homo sacer, o poder soberano e a vida nua. Tradução de

Henrique Burigo. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002. Estado de exceção.

Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo, Boitempo Editorial, 2004.

19 Jean Maitron. Ravachol e os anarquistas. Tradução de Eduardo Maia. Lisboa,

Antígona, 1981. É importante salientar também a diferença entre este terrorismo

anarquista europeu e, em especial, o russo. Ver: Os demônios de Dostoievski

e Georges Nivat, neste número.

20 Megan Comfort. “‘A casa do papai’: a prisão como satélite doméstico e

social”, in Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, ICC-Instituto Carioca de Criminilogia/

Revan, 2004, v. 13, pp. 77-100. Loïc Wacquant. “O curioso eclipse da

etnografia prisional na era do encarceramento de massa”. in Discursos Sediciosos,

op. cit., pp. 11-34.