[Espanha] A revitalização do pensamento de Bakunin

Por Capi Vidal

Os pensadores anarquistas, geralmente, resultam de muito mais atualidade e vitalidade do que outras correntes emancipatórias, como a marxista. Assim, o pensamento de alguém como Bakunin, ainda que não totalmente, como é lógico com qualquer autor, resistiu muito bem ao passar do tempo.

Há de se recordar, em primeiro lugar, que as ideias anarquistas estão longe de possuir uma continuidade no tempo, de maneira que o pensamento de Kropotkin, posterior, não harmonizará sempre bem com o de Bakunin. Kropotkin foi um dos inquestionáveis pais do comunismo libertário, ou ao menos o que mais aportou a essa corrente clássica do anarquismo. Bakunin, ao contrário, sentia uma verdadeira aversão ao termo, ao ponto de considerar o comunismo a “negação da liberdade”. Bem é certo que o gigante russo identificava exclusi vamente o sistema comunista com a absorção de todos os poderes sociais pelo Estado. Sem falar de poder político, podemos dizer que pensava o comunismo como sinônimo de centralismo. Como é sabido, Bakunin se considera partidário do coletivismo, concei to paradoxalmente rejeitado pelos herdeiros de Proudhon, que apostavam no mutualismo. Vemos pois que as três principais correntes do anarquismo moderno, as que sem dúvida deveríamos conhecer em profundidade, precisamente para analisar a sociedade do século XXI e elucidar o que é válido do rico corpus histórico libertário, nem sempre se conciliam bem. Frente a qualquer sistema autoritário, fechado, ortodoxo ou monolítico, o anarquismo se compõe de diversas contribuições, é heterodoxo e aberto em seu afã ; antiautoritário. Em qualquer caso, retornando ao tema que nos ocupa, os estudiosos do anarquismo consideram que Bakunin constitui um ponto de inflexão na história, pois existe um antes e depois das ideias libertárias desse autor.

Particularmente, considero que ler e reler Bakunin, sua obra tantas vezes caótica, mas generosamente sistematizada por autores posteriores, resulta em um aporte energético extremamente valioso. A grande pergunta, e apesar de ocupar o seu lugar enciclopédico, é se o pensamento de Bakunin é suficientemente conhecido. O inumerável arrojo das falsificações, como ocorre com o próprio anarquismo, em razão da pouca coesão de uma obra escrita devido a uma vida tumultuosa, faz com que se esqueça, frequentemente, que Bakunin possuía conhecimentos enciclopédicos. Ademais, sua inesgotável energia individual, com incontáveis escritos tratando de coordenar os esforços e tarefas de diversos países, faz com que se identifique sua enorme pessoa com pouco menos que “uma internacional”. Existem muitas obras dedicadas a sua vida, própria da melhor ficção de aventuras, mas talvez não suficientes que analisem seu pensamento e seu muito estimável aporte teórico, o qual explica em parte que tantas vezes se aludam ao seu pensamento “destrutivo”, quando é exatamente o contrário. Há de se recordar sua condenação à violência, ainda que revolucionária, algumas vezes necessária, mas mesmo assim algo sempre condenável e próprio da estupidez humana. Parece te r existido certo afã em considerar Bakunin como uma espécie de paradigma da negação, destacando o seu texto de maneira torta, quando a leitura que se pode fazer, se gostamos dessa terminologia, é de um autor que apostou fortemente em aprofundar a democracia. Um dos aspectos de mais inegável atualidade é o chamado voluntarismo, que mais tarde organizará Malatesta, segundo o qual a transformação social é própria de todos, em uma democracia militante na qual todos assumem direitos e obrigações.

Bakunin, em vários aspectos, se adiantou a males posteriores, em uma advertência sobre o progresso, em sua desconfiança da ciência e da tecnologia. Essas, tantas vezes cegas e determinadas, nem sempre levam ao bem-estar da humanidade – e sim a destruição e ao genocídio; desgraçadamente sua análise resultou profética no século XX. Não poucas vezes se quis ver Bakunin, pensador anarquista que fala de uma ampla concepção de liberdade, como paradoxalmente submisso a alguma sorte de determinismo social. É, talvez, outro aspecto de seu pensamento distorcido ou mal interpretado. Frente à confiança, tantas vezes exacerbada, de Kropotkin na ciência e no progresso, que aí sim poderiam fazer cair ao ser humano nesse determinismo, Bakunin e Malatesta apostam na vontade humana , somente limitada pelas próprias leis naturais, mas bem armada da razão, do conhecimento e da ética. Para Bakunin, a liberdade é para o ser humano uma conquista, um ideal a se converter em realidade graças à vontade, ao compromisso e a vigilância permanente. É possível que seja o aspecto mais questionável de seu pensamento se o observamos superficialmente, ao falar que o homem vem a estar forçado a conquistar a liberdade, como se formasse parte de sua própria natureza. Não obstante, pode-se resolver a contradição ao observar a um homem esforçado a analisar as contradições materiais da existência humana para alcançar o melhor dos ideais. Desse ponto de vista, não há natureza alguma no ser humano, já que Bakunin alude às leis naturais (que identifica com a ciência e o conhecimento), e somos um produto d o contexto social e temos a capacidade de mudá-lo.

O maior obstáculo para a conquista da liberdade, segundo Bakunin, é o binômio composto por Deus e o Estado. Um de seus maiores esforços está em acabar com a ideia de Deus, algo que não o faz baseado em fanatismo algum e sim desde uma poderosa análise e uma forte armação racional. A ideia da divindade, como tantas outras demonstradas falsas, somente se sustenta por sua antiguidade e, há de se dizer, um argumento habitualmente mencionado por seus defensores, por sua extensão universal. Como tantos outros pensadores modernos, Bakunin considerava que as ideias relig iosas constituíam um conjunto de crenças falsas que com o tempo iria desaparecer. Ao mesmo tempo, pensavam que era um forte obstáculo para a emancipação dos povos. Haverá quem observe essa ponderação como obsoleta , própria de outros tempos, sem embargo, aprofundemos essa questão. De forma parecida a Marx, Bakunin também pensava que a religião era uma espécie de consolo para os aflitos, uma saída para uma vida miserável. Outro escape para fugir da realidade era a taberna, o bar, algo que, todavia, podemos observar na forte cultura adicta, com uma forte tendência na alienação que sofremos.

A verdadeira solução emancipatória, para Bakunin, ante essa existência desgraçada, é a revolução social. Algo que os anarquistas devem seguir insistindo, é que é desejável e possível mudar as coisas, a vida individual e social, necessariamente unidas, por uma via antiautoritária e de constante crítica à autoridade coercitiva. O Estado, para Bakunin, de alguma maneira é produto da religião; a subordinação ante uma autoridade sobrenatural e metafísica seria o cimento para fazê-lo igualmente em relação à autoridade política. Como Bakunin concebe a revolução social, a nova sociedade libertária? A ausência de Estado supõe um federalismo no qual os trabalhadores se organizem livremente e prime pe la solidariedade acima de qualquer fator social. Recordemos que sua concepção de liberdade individual se enriquece, não se limita, com a liberdade coletiva, a de todos e de cada um dos integrantes da sociedade. Tudo isso leva a considerar a liberdade como necessariamente unida com a igualdade, econômica e social, e não apenas política. Para estabelecer essa igualdade, deve ocorrer a organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva das associações de produtores; estas estarão federadas de forma livre em instâncias superiores, que podem receber o nome que se queira dar, desde que não tenham nenhum dos rasgos autoritários e tutelares do Estado. Vale a pena estudar detalhadamente o pensamento de Bakunin, que afetou todos os âmbitos da vida que busca a emancipação social e individual, já que nele encontraremos com segurança um legado muito valioso.

Fonte: http://reflexionesdesdeanarres.blogspot.com.br/2017/04/revitalizacion-del-pensamiento-de-bakuin.html

Tradução > Liberto

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